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agosto 6, 2022

Apesar dos esforços empreendidos por Domenico Losurdo, dificilmente alguém se engana com o caráter do ditador soviético Josef Stalin. Com exceção de Caetano Veloso, sabemos que o “homem de aço” foi um autocrata, psicopata, impiedoso e sanguinário. O que nos estranha é o fato de Lênin, igualmente cruel, ter sido absolvido por grande parte do “respeitável” mundo pensante.

Vladdimir Ilyich Ulianov, ou simplesmente Vladimir Lenin, foi um dos grandes líderes de um golpe ocorrido na Rússia em 1917, que colocou fim ao czarismo e inaugurou mais de 70 anos de um regime totalitário influente em várias partes do mundo. Lênin talvez tenha sido a principal mente por traz do putsh que elevou os bolcheviques ao poder, e até hoje carrega a fama de grande teórico revolucionário. Só que Lênin está bem longe de ter sido um defensor da paz e da fraternidade universais, como muitos podem pensar. Ao contrário, sempre falou com orgulho em “guerra de classe”, e defendeu grandes absurdos de uma revolução que matou e incentivou a matança de mais de 90 milhões de pessoas no mundo todo, sem falar nos sequestros, torturas, genocídios e estupros.

O revolucionário russo certa vez escreveu: “Toda a essência do nosso trabalho visa a transformação da guerra numa guerra civil (…) Enquanto não aplicarmos o terror sobre os especuladores – uma bala na cabeça, imediatamente – não chegaremos a lugar nenhum!”. E, por ocasião do período do confisco de apartamentos dos burgueses, afirmou no Jornal Odessa em abril de 1919: ”se executamos alguns desses imprestáveis (…) se forçamos suas mulheres a lavarem as casernas das Guardas Vermelhas, eles compreenderão que nosso poder é sólido”. Estupradas, as mulheres “burguesas” foram condenadas a lavar latrinas, principalmente no período da segunda conquista da Ucrânia, em 1920.

A perversidade e o oportunismo de Lênin não tinham limites. Em carta endereçada aos membros do Politburo, em 19 de março de 1922, ele fez questão de arquitetar como a “grande fome” poderia atender aos interesses do regime. Lá estava escrito: “Com todas essas pessoas famintas que se alimentam de carne humana, com todas as estradas cheias de centenas, de milhares de cadáveres, é agora e somente agora o momento em que podemos (e, por conseguinte, devemos) confiscar os bens da igreja, com uma energia feroz, impiedosa”. A fome do povo serviria, então, como momento adequado para roubar o patrimônio da igreja.

E não parou por aí. A ofensiva contra o clero rendeu milhares de mortes, que segundo fontes eclesiásticas girou em torno de 2.690 padres, 1.960 monges e 3.447 freiras só no ano de 1922, conforme o historiador Richard Pipes conta em seu livro "História Concisa da Revolução Russa".

O líder bolchevique chegou ao ponto de transformar a barbárie revolucionária em sistema jurídico e advogou um Código Penal onde era “preciso ampliar o campo da aplicação da pena de morte”; como desdobramento, o terror “não deveria ser suprimido”, mas “legalizado”.

O comunismo histórico matou mais que o nazismo, ainda que esteja claro a diferença de conteúdo entre os dois regimes. A máquina soviética nunca pensou em uma solução final de caráter racista. Mas matou mais que as duas guerras mundiais. Povos foram perseguidos, como os cossacos, idosos torturados, pois seus filhos se escondiam e resistiam, foram criados inteiros campos de concentração, camponeses foram perseguidos e mortos.

Stalin foi sem dúvida o maior produtor de toda essa monstruosidade, mas Lênin, como ficou atestado, não fica atrás. Ambos elegeram a selvageria e o terror como forma de alcançar seus objetivos ambiciosos. A afirmação da democracia como terreno da civilidade racional deve ser o norte para onde uma esquerda moderna deve seguir, em percurso gradual e reformista, aprimorando as instituições abertas pela ação “dos de baixo” e consolidadas em amplo pacto civilizatório.

A persistência de certa esquerda na nostalgia por lideranças autoritárias e anacrônicas é sintoma de um mal-estar que insiste em influenciar setores da esquerda brasileira, a esquerda que lê e se deixa influenciar pelo stalinismo descarado de um Domenico Losurdo, produtor de uma historiografia rasa e tendenciosa sobre uma figura tão grotesca como Stalin.

Se o stalinismo hoje se apresenta e recebe críticas merecidas, o leninismo descansa no mito da liderança popular de alguém que teorizou o terror como metodologia revolucionária. Por tudo que sabemos, não faz nenhum sentido continuar a ter Lenin como referência para se pensar as transformações no mundo de hoje e muito menos a defesa intransigente da democracia.

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