Para geógrafos marxistas, os grandes centros urbanos seriam prova da exploração do trabalho devido às suas desigualdades socioeconômicas.
Bem, em primeiro lugar, o que é capitalismo? A definição básica deste sistema socioeconômico ou, em linguagem marxista, modo de produção, seria um sistema que privilegia a propriedade privada dos meios de produção e a relação de trabalho assalariada. Diferentemente de outros modos de produção onde não há trabalho livre, esta é uma característica básica e primordial do capitalismo.
Mas, eu não vejo o capitalismo como esteio básico para se entender as sociedades, vejo-o como um componente das sociedades e não, como costumeiramente se faz querer crer, a sociedade decorrendo e sendo um produto do capitalismo. Basta observarmos diversos exemplos de países capitalistas ao redor do mundo para concluir como eles se processam diferentemente de acordo com os diversos estados, instituições e culturas regionais.
Em segundo lugar, o que é marxismo? Trata-se de uma filosofia e não de uma ciência. Ciência quando posta à prova, quando suas teorias são questionadas sob novos fatos que não são explicados, perde, gradativamente, sua credibilidade e poder. A filosofia também pode percorrer este caminho, mas não obrigatoriamente, nem perde sua validade se não corresponder a fatos ou for confrontada por uma filosofia com maior apelo à realidade concreta dos fatos. Por outro lado, quando um conjunto de ideias é defendido por seus seguidores e por esta razão persiste ao longo do tempo, mesmo sob o contraste de novos fatos ou interpretações distintas sobre fatos antigos, é porque não se trata de ciência, mas de seita, porque não se trata da verdade, mas de fé.
O marxismo, como a maioria das ideias surgidas no século XIX, tinha um forte pendor pelo “etapismo” e evolução histórica, não sendo nenhum segredo que Karl Marx admirava o trabalho de Charles Darwin, querendo, inclusive, adaptar a ciência biológica em uma “versão humanista”. A sucessão dos modos de produção observados na Europa Ocidental e generalizados para o resto do globo, além de tentar prever desencadeamentos futuros, não só se mostrou equivocada pela inexistência de eventos futuros esperados como deixava ausente a análise detida de fenômenos propriamente políticos em sua época e sociedade. Marx os resumia como decorrência das “contradições do capital”, da evolução das forças produtivas (tecnologia, em linguagem não marxista) e relações de produção (relações de propriedade, em linguagem não marxista). Mais que uma “mania”, esta obsessão era fruto lógico de seu método de análise com destino predeterminado de seus acontecimentos, uma teleologia objetiva da história.
E a geografia? Etimologicamente, geografia significa “descrição da Terra”, mas na verdade, a geografia tem desviado muito mais para a interpretação do que para a descrição. Isto é um processo natural, na medida que não somos só observadores, mas também avaliadores e julgadores a todo o momento, sobretudo de temas que envolvem política e cultura.
Quando se descreve a paisagem, não vemos apenas natureza, embora esta seja predominante no globo, mas também a paisagem cultural, as construções ou, como Marx chamava, a “Segunda Natureza”. O problema é que este equilíbrio entre as duas formas de construção da paisagem, a natural e a humana, que permitia à geografia ser um conhecimento de intersecção, justamente de integração ou interdisciplinaridade já nos idos do século XIX, quando foi elevada à cátedra na Alemanha, sofre uma disputa entre correntes ideológicas desde os anos 60 nos Estados Unidos.
Contrários a uma postura “neutra” de geógrafos que trabalhavam para o governo, professores universitários americanos se opuseram às manifestações urbanas, tal como segregação urbana e, no plano internacional, à desigualdade dos termos de troca, como se esta fosse herança do antigo pacto colonial. Mas, ao invés de procurarem soluções dentro de rearranjos de mercado e planejamento setorial ou estratégico, viram nas teorias marxistas de mais-valia e no discurso leninista do “imperialismo como última fase do capitalismo” sua explicação definitiva.
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As ideias americanas atravessam e se expandem mundo afora, o que não seria diferente no Brasil. Não importamos apenas as boas ideias Made in USA, mas também suas bizarrices, muitas delas com o selo de seus campi. É sobre esta ligação entre marxismo e geografia que irei tratar. E sim, tenho intenção de ser polêmico porque o tema o é e, até onde sei, nunca foi tratado de modo tão explícito quanto pretendo fazer aqui. No entanto, já aviso aos preguiçosos, não farei isto procurando caminhos fáceis de acusar as ligações de autores alvos de crítica somente com partidos ou políticos, mas sim pela sustentação de suas teorias, estas sim os ovos da serpente.
Acompanhe os próximos textos do autor em seu blog.
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Autor: Anselmo Heidrich
Publicado originalmente em 13 de março de 2023.

Professor - IFRS | Licenciado em Geografia, UFRGS | Mestre em Geografia Humana, USP | viciado em Geopolítica | Pseudo-liberal, fundamentalista isentão ortodoxo e conservador flex.