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dezembro 30, 2022

O vídeo abaixo apresenta uma versão resumida deste artigo.

Como todos sabem, o número do Partido dos Trabalhadores é o 13. E foi por pouco mais de 13 anos que o PT governou o Brasil, iniciando com o primeiro governo de Lula em 1 de janeiro de 2003 e terminado com o impeachment de Dilma em 31 de agosto de 2016. Foram 4.991 dias de gestão ininterrupta, o que nos leva à pergunta: qual o balanço que podemos fazer desse longo período na história do país?

Falaremos apenas superficialmente das questões políticas e dos escândalos de corrupção dos governos do PT. Preferimos aqui nos aprofundar nas questões que giram em torno das políticas públicas e políticas econômicas deste período do país. Acreditamos que fazendo isso também estamos contribuindo para um debate mais qualificado quanto aos rumos que o país deverá seguir daqui em diante.

Para seus apoiadores, os governos do PT tiveram como marca o bom desempenho econômico aliado à redução da pobreza e da desigualdade social, com programas como o Bolsa Família e ganhos reais no salário-mínimo. Argumentam assim que teria sido o governo que mais fez pela população pobre do país.

Para os críticos, contudo, o governo petista teria sido marcado pela corrupção, com os escândalos do Mensalão, do Petrolão, entre outros, e pela ingerência do Estado na economia, culminando na grave crise econômica de 2014 a 2016, durante a gestão Dilma.

Há também aqueles que talvez prefiram separar a avaliação da gestão Lula da gestão Dilma. Afinal, enquanto o Governo Lula terminou com aprovação recorde pela população, com mais de 80% de avaliação positiva, o Governo Dilma tinha, já próximo do final de seu mandato, 79% de avaliações ruim ou péssimo, praticamente invertendo a avaliação de seu padrinho político.

De fato, quando observamos a economia, o resultado entregue por Lula é bem mais positivo que o de sua sucessora. O governo Lula registrou o maior crescimento do PIB em duas décadas, em torno de 4% ao ano e um crescimento total no período de quase 33%. Quando relativizado pela renda per capita, foi um crescimento de 23%. Lula também assumiu com a inflação em quase 13% e a entregou em menos de 6%.

Já Dilma entregou um crescimento total de apenas 1,6% do PIB ao longo de toda sua gestão, 0,2% ao ano, bem inferior ao crescimento da população. Em outras palavras, as pessoas empobreceram. Isso ocorreu principalmente nos anos de 2014 a 2016, quando o PIB per capita chegou a encolher mais de 9%. De acordo com estudo de Reinaldo Gonçalves da UFRJ, esse foi o pior PIB em 127 anos e Dilma teria 90% da culpa por esse desempenho.

Contudo, somos da opinião que essa tentativa de separar uma gestão da outra pode ser enganosa. Isso por uma série de razões. Listamos a seguir o que entendemos ser os 4 motivos principais:

  • O primeiro motivo é que Lula teria sido beneficiado pelos bons ventos das commodities, ventos esses que pararam de soprar no governo Dilma. Foi um período em que países exportadores de matérias-primas como o Brasil tiveram seus produtos muito demandados internacionalmente, levando ao aumento das exportações e ao crescimento. Como mostraremos mais adiante, quando comparado a países parecidos, o crescimento do Brasil não foi lá tão significativo neste mesmo período.
  • O segundo motivo que vamos apresentar é que muito do bom desempenho de Lula pode ser creditado à situação mais confortável em que o país lhe foi entregue por seus antecessores, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, que controlaram o monstro da inflação e fizeram uma série de programas e reformas necessárias para o crescimento do país.
  • Um terceiro motivo é que já no governo Lula teriam sido lançadas as sementes dos problemas que então floresceriam no governo de Dilma. Parte das intervenções desastradas na economia, tal como o PAC, começaram no governo Lula.
  • O quarto motivo seria que Lula não atacou o problema mais complexo da baixa produtividade, que é o que levaria ao crescimento sustentado e de longo prazo do país, aquele que independe dos bons ou maus ventos econômicos.

Vamos examinar em detalhes cada um destes pontos.

O primeiro ponto que tira parte dos méritos do governo Lula diz respeito ao boom das commodities. Commodities são matérias-primas como alimentos, petróleo e minerais. O boom ocorreu em grande parte devido à crescente demanda das economias emergentes, principalmente da China, por esses materiais, e a uma certa insegurança quanto à sua disponibilidade no longo prazo. Quando a China desacelerou, em 2014, o ciclo chegou ao fim, coincidindo com a crise econômica e política da gestão Dilma.

Veja que esse argumento diz respeito a uma questão mais ampla: em geral, associamos o sucesso ou fracasso de um determinado governo aos seus méritos, quando por vezes isso pode se dever ao mero lance de sorte ou azar daquele momento. O período anterior a Lula foi um período terrível para as economias emergentes, com a crise do México em 94, crise dos Tigres Asiáticos em 97, crise da Rússia em 98 e um colapso da Argentina em 2001 e as commodities estavam desvalorizadas. Já Lula teve muito mais sorte no período que governou, passando por uma crise internacional significativa apenas em 2008. Contudo, tal crise passou quase desapercebida pelos países exportadores de commodities.

O segundo motivo que apresentamos é que muito do crescimento econômico que vimos com Lula foi na verdade mérito de gestões anteriores.

Desde a década de 80 o Brasil conviveu com a hiperinflação, ou seja, uma inflação fora de controle. Diversos planos por diversos governos foram elaborados para tentar controlar a inflação, tal como o Plano Verão, Bresser e o Plano Collor, que chegou até mesmo a confiscar o dinheiro da poupança das pessoas. Contudo, a inflação somente conseguiu ser controlada com o Plano Real, em 1994. O ponto aqui é simples: sem a inflação controlada, as gestões petistas teriam passado por grandes desafios econômicos e sociais.

Um ponto que também vale destacar aqui é o quão pouco percebemos a ligação entre controle de inflação e combate à miséria. A inflação funciona como um imposto, permitindo ao governo gastar relativamente mais com uma moeda desvalorizada. Economistas inclusive chamam isso de imposto inflacionário. Ocorre que esse imposto é extremamente regressivo, ou seja, penaliza desproporcionalmente os mais pobres. O mais pobre, em geral, não tem acesso ao mercado financeiro para se proteger da inflação através de investimentos corrigidos pela inflação, por exemplo. E o mais pobre, em geral, consome tudo que gasta, e a inflação incide justamente com mais força sobre os produtos que são diariamente consumidos.

Vamos aos números? Em 1993, 42% dos nordestinos estavam na extrema pobreza pelo critério das calorias diárias consumidas. Apenas 2 anos depois, já com o Plano Real, essa parcela tinha caído para 32%. É o equivalente a 4,3 milhões de nordestinos que saíram da pobreza apenas graças ao Plano Real. Ou seja, o controle da inflação é sim também um programa social e que fez muito pela redução da pobreza antes mesmo das gestões petistas.

Mesmo o Bolsa Família, o programa símbolo da redução da miséria pelas gestões petistas, costuma ter a paternidade contestada. O governo Fernando Henrique já tinha implantado diversos programas de auxílio para as famílias mais pobres do país, com os programas Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio-Gás e já contava com uma primeira confecção de um Cadastro Único de beneficiários. O mérito do Bolsa Família petista reside assim na unificação destes vários programas em um só, na expansão do cadastro de beneficiários e no aumento dos valores transferidos.

Itamar Franco e Fernando Henrique também promoveram outras reformas importantes, tal como a reforma administrativa e as privatizações. Imagine se até os dias de hoje a telefonia no Brasil fosse estatal, como seria a qualidade dos serviços? Qual seria a disponibilidade? Vale lembrar que linha telefônica era algo tão raro que as pessoas declaravam no imposto de renda como sendo um bem.

Outra política importante feita pelas gestões anteriores ao PT foi na área da educação: a universalização da educação básica foi finalmente alcançada, com um rápido aumento no número de estudantes matriculados após a redemocratização. Ainda que possamos ter várias críticas quanto à péssima qualidade do ensino no Brasil, fato é que na década de 90 inserimos praticamente todas as crianças na escola, o que antes não era o caso. Observe que trata-se de uma política cujos principais frutos somente são colhidos quando as crianças crescem, ao entrarem no mercado de trabalho. É bem possível, portanto, que os ganhos desse investimento da década de 90 tenham sido colhidos por Lula em sua gestão.

Para fechar nosso argumento sobre o mérito das gestões anteriores, vamos comparar então os números do Brasil com o restante da América Latina, dividindo os dados em dois momentos: os anos de 1994 a 2002, quando o país foi governado por FHC, com os anos de 2003 a 2010, quando o país foi governando por Lula.

A renda do Brasil no período de 1994 a 2002 aumentou 24% enquanto no período de 2003 a 2010 ela aumentou quase 50%, mais que o dobro. Contudo, no primeiro período o Brasil foi o quinto país latino que mais cresceu enquanto no segundo período o Brasil foi o sexto país que mais cresceu, ou seja, o desempenho relativo foi pior na gestão Lula.

E se compararmos o IDH? Para quem não sabe ou não se lembra, o IDH é o Índice de Desenvolvimento Humano. É a principal métrica usada para combinar o social com o econômico. É uma medida que agrega a expectativa de vida, a educação e a renda per capita da população.

Quando analisamos a variação do IDH nos dois períodos, a coisa fica ainda pior para a Gestão do ex-presidente Lula. Entre 1994 e 2002, gestão FHC, o IDH aumentou 9,2%. Já entre 2003 e 2010, gestão Lula, ele aumentou apenas 3,6%. No primeiro período o Brasil teve o 3º melhor desempenho dentre os países latinos. No segundo momento, ele ficou na décima posição do ranking.

Nosso terceiro ponto é que o governo Lula já teria lançado as sementes dos problemas que então floresceriam no governo de Dilma. Os primeiros anos da gestão Lula foram marcados pela continuidade da política econômica de seu antecessor, FHC, o que talvez explique boa parte do sucesso inicial de seu governo.

Inclusive, já em 2003 o governo Lula fez uma Reforma da Previdência que acabou com a aposentadoria de 100% do salário que servidores públicos até então tinham direito, medida essa que foi muito importante para equilibrar as contas públicas. Contudo, a reforma foi considera como inaceitável por uma parcela de radicais do PT que se opôs a reforma, sendo então expulsos e vindo a formar o PSOL.

O primeiro governo de Lula respeitou o que é o consenso científico da área de economia, também conhecido como ortodoxia econômica. Contudo, a partir de seu segundo mandato, economistas tidos como heterodoxos, ou seja, em desacordo com o consenso, ganharam mais e mais espaço dentro do governo. Posteriormente, o tripé econômico veio então a ser substituído pela Nova Matriz Econômica de Guido Mantega, o qual assumiu o Ministério da Fazenda já no governo Lula. Ideias desenvolvimentistas, que preconizam que o Estado deve interferir fortemente na economia, ganharam mais e mais espaço.

Nas palavras de Pérsio Árida:

Você ter memória do que deu errado é muito importante. Edmar Bacha fez uma listagem das políticas econômicas que deram errado, a maior parte delas acontece no governo do PT, porque é onde tem a ideologia desenvolvimentista mais marcada, essas coisas vão juntas.” (Fonte).

Já com Lula surge também o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento. Esse programa buscava acelerar o crescimento econômico do Brasil através de desonerações e investimentos em infraestrutura. É claro que é papel do governo investir em infraestrutura e assim fomentar o desenvolvimento. Contudo, as obras do PAC foram cercadas por diversas polêmicas, tal como suspeitas de irregularidades no destino das verbas, obras paralisadas e inacabadas além de seu possível uso eleitoral.

Também começou nesse momento o despejo de dinheiro pelo BNDES para grandes capitalistas brasileiros. Lembram do Eike Batista? Somente suas empresas, o famoso grupo X, obtiveram mais de 10 bilhões de reais em empréstimos na época, mais de 15 bilhões em valores atuais, e isso você confere no próprio site do BNDES.

O ponto principal aqui é: apesar de todos esses estímulos, a taxa de investimento não melhorou, o crescimento não veio e a produtividade do país, que é o que mais importa, também não.

Vamos então ao nosso quarto e último ponto, que é a baixa produtividade do país. De modo simplificado, produtividade é o quanto produz cada trabalhador. O governo Lula conseguiu reduzir o desemprego, o que ajudou no PIB. Mas as pessoas não se tornaram mais produtivas. Estudo da PUC-Rio, comparou o Brasil com um grupo de países similares. Entre 1995 e 2002 tanto o Brasil quanto esses países praticamente estagnaram na produtividade. Contudo, depois de 2003 a produtividade dispara nos demais países enquanto ela fica praticamente parada no Brasil.

Um fator importante para determinar a produtividade do trabalhador é o chamado capital humano. Vários fatores entram aqui, mas os economistas consideram que o principal é a saúde do trabalhador, sua educação formal e o treinamento que recebe no trabalho. Quando observamos essas variáveis, o Brasil estava até melhor que os países do grupo de comparação, porém ficou para trás. Em 2012, o Brasil estava 35% pior nesse critério quando comparado a 2003. Já os países do grupo de comparação melhoraram 15%.

No longo prazo, aumentar a produtividade é o que mais importa para crescer, independente dos bons ou maus ventos da economia internacional. E a principal coisa que o governo pode fazer para melhorar a produtividade é melhorar a educação. Vimos também que a universalização do ensino no período Fernando Henrique pode ter sido um dos fatores do bom desempenho econômico colhido pela gestão petista. Melhorar a educação teria sido o próximo desafio, que, contudo, não foi devidamente encarado pelas gestões petistas.

As gestões petistas costumam argumentar que fizeram muito pela educação. De fato, aumentaram os gastos com educação, mas isso não resultou na melhora efetiva. Ou seja, passamos a gastar mais só que com resultados piores. Basta olharmos a nota do Brasil no PISA, a avaliação mundial da educação. De 2003 a 2012 tivemos alguma melhora na nota de matemática, 9,8% melhor, uma melhora tímida nas notas de ciências, 3,8% melhor, e praticamente nenhum ganho na nota de leitura, apenas 1,7% para todo o período.

Lula também costuma citar que, apesar de não ter tido acesso à universidade, foi o presidente que mais criou universidades no país. Trata-se de uma meia verdade, dado que parte dessas novas universidades foram apenas a conversão de escolas técnicas em universidades. Mas nossa principal crítica está justamente no foco excessivo no ensino universitário. O Brasil parece estar errando gravemente ao priorizar o ensino universitário em detrimento do ensino técnico. Vale observar que a Alemanha é um país que investiu fortemente no ensino técnico e na integração destas escolas com as empresas. Os alunos começam a estagiar nas empresas e saem do ensino técnico muitas vezes já empregados. A qualidade da mão-de-obra na Alemanha, seu baixo desemprego e seu forte desempenho econômico parecem demonstrar que esse caminho faz todo sentido. O Brasil das gestões petistas, contudo, despriorizou o ensino técnico em favor do ensino médio.

Ainda falando de programas voltados aos universitários, talvez tenhamos nessa área o maior absurdo da gestão petista: o programa Ciência sem Fronteiras, que ficou conhecido pela piadinha “Viagem sem Fronteiras”. Bilhões foram gastos para enviar alunos de graduação para o exterior sem absolutamente nenhum mecanismo de avaliação do projeto. De acordo com cálculos do governo para justificar o fim deste programa, o montante gasto para mandar 30 mil estudantes para fora podia pagar a merenda escolar para 40 milhões de alunos da educação básica.

E aqui chegamos no que talvez seja o maior problema da educação no Brasil: a falta de atenção para a educação básica. Gastamos muito com universidades e desprezamos a educação básica. Mas é nos primeiros anos de vida que o investimento em uma criança faz mais diferença em seu desempenho futuro. Se o Brasil focasse mais em melhorar a qualidade do ensino básico, talvez nossos índices de produtividade e de capital humano estariam bem melhores hoje, nos tornando mais resilientes a crises econômicas.

Voltaremos a ter uma gestão petista no governo do país em janeiro de 2023, exatos 20 anos depois da primeira gestão de Lula. Poderá ser uma gestão marcada pelo fracasso, tal como foi o governo Dilma, ou poderá ser um governo de sucesso, se buscar a estabilidade econômica e não repetir os mesmos erros de ingerência do Estado na economia. Também precisará se desvencilhar dos escândalos de corrupção, monitorando com rigor os investimentos sendo feitos e investindo naquilo que realmente importa para o desenvolvimento do país, tal como a educação básica.

One comment on “Balanço dos governos do PT”

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