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novembro 14, 2022

O que é o iluminismo? Em seu famoso ensaio sobre o tema, o filósofo alemão Immanuel Kant respondeu da seguinte forma essa pergunta: "É a saída do ser humano da menoridade de que ele próprio é culpado". Em resumo, trata-se de uma proposta de emancipação do homem, um percurso até a maturidade da autonomia de pensamento. O lema kantiano era sapere aude ("ouse saber"), que significa o atrevimento de conhecer, entender, compreender.

O surgimento histórico do iluminismo se situa entre os séculos XVII e XVIII. Seu impacto como movimento político se deu no enfrentamento do Antigo Regime, influenciando vários processos revolucionários no mundo, tendo como principal exemplo a Revolução Francesa de 1789, traço marcante da modernidade. Politicamente, a militância das luzes visava à liberdade, contra o poder absoluto dos reis, a favor de freios nos governantes e também mais liberdade na economia. Daí o surgimento do liberalismo econômico, crítico aos padrões mercantilistas de intervenção estatal. Iluministas notórios como Adam Smith iriam propor que as leis econômicas deveriam operar livremente, com mínimas interferências governamentais. A busca pessoal dos interesses individuais trariam benefícios para todos, na fórmula descrita pela metáfora da "mão invisível" do mercado, termo usado e popularizado pelo filósofo e economista escocês.

Conceituar o iluminismo não é simples. Em termos didáticos, costuma-se relacionar o movimento das Luzes à defesa intransigente da razão. De fato, Thomas Paine tratou seu tempo como a "era da razão" e Diderot definiu a Encyclopédie como o instrumento de "uma era raciocinante". O apego ao paradigma racional, obviamente, fez dos iluministas combatentes contra a fé, ainda que nem todos eles tenham aderido ao ateísmo. Voltaire, por exemplo, era deísta (acreditava num criador que não interferia mais no mundo) e entendia ser necessário acabar com a religião. No entanto, há algo intrigante nessa posição voltaireana. Para o grande filósofo francês, a religião deveria desaparecer somente na elite culta, sendo preservada nas camadas socialmente inferiores. Escreve ele a Diderot:

"[A religião] deve ser destruída entre as pessoas respeitáveis e ser deixada à canaille tanto grande quanto pequena, para a qual ela foi feita (...) Eu quero que meus empregados e mesmo a minha esposa creiam em Deus, porque isso significa que eu hei de ser iludido, roubado e enganado menos frequentemente (...) Se Deus não existisse, seria necessário inventá-lo". 

Estou parcialmente em desacordo com Voltaire. Ele vê função na religião, uma espécie de controle moral importante para a coesão e estabilidade social. De minha parte, entendo que a libertação racional da humanidade deve ser universal, isto é, precisa atingir a todos, sendo condição indispensável para o pleno funcionamento da democracia, modelo político que advogo como valor civilizatório definitivo.

Mas também é preciso registrar que há quem não entenda a razão como elemento fundamental e prioritário na filosofia iluminista. A historiadora Gertrude Himmelfarb, um dos grandes nomes do pensamento conservador, compreende que é possível falar em "iluminismos", ou seja, que podemos compreender várias manifestações do iluminismo. Em seu livro "Os caminhos para a modernidade: os iluminismos britânico, francês e americano" ela claramente se inclina para o iluminismo britânico, como sendo uma corrente de ideias e ações comprometida com sentimentos virtuosos como a disciplina, a benevolência, a temperança, e a prudência. Em seu esforço teórico ela chega a elencar no time iluminista autores como Edmund Burke e John Wesley. O primeiro foi fundador do conservadorismo moderno, defensor da monarquia, da aristocracia e crítico público da democracia. Já o segundo fundou o metodismo, também defendia a monarquia e era conhecido como membro do anti-intelectualismo.

O iluminismo que defendo tem como norte mobilizador a razão. Mais que isso, acompanho o cientista cognitivo Steven Pinker, autor do formidável "O Novo Iluminismo", no que toca a importância de se defender a razão, a ciência, o humanismo e o progresso como instrumentos fundamentais para alcançar a felicidade planetária. Só não concordo com seu otimismo. No livro, ele argumenta de forma brilhante que progredimos e seguimos progredindo muito, dentro dos aspectos que envolvem os paradigmas iluministas.

Entendo que, mesmo sendo inegável nossas conquistas científicas e humanitárias, seguimos ainda envolvidos por sentimentos primitivos, como o tribalismo (e sua versão moderna, o nacionalismo), a religião, superstições e autoritarismo. O mundo segue profundamente religioso, a ignorância nada firme em meio a tanto conhecimento, teocracias se mantêm intactas por séculos, a liberdade é violada, o cosmopolitismo e o individualismo perdem força diante de patriotismos toscos e coletivismos totalitários.

É necessário uma nova revolução iluminista. É preciso reafirmar nossas conquistas, materializadas em instituições que velam pela liberdade e colocam barreiras no exercício sem limites do poder. Precisamos que tal institucionalidade seja exportada para todo o planeta, que possamos afirmar a ciência como excelência epistemológica, que a razão seja o mecanismo universal de tomada de decisões, que a política dos guetos ceda espaço para um mundo completamente globalizado, que o progresso prossiga com responsabilidade.

Os inimigos dessa nova revolução iluminista estão entrincheirados na religiosidade militante, na pseudociência, no fundamentalismo, no tribalismo, no nacionalismo, na crendice, no relativismo cultural, no curandeirismo, no coletivismo, no autoritarismo, no negacionismo científico, no terrorismo ecológico, no esoterismo, no reacionarismo, no fanatismo, no tradicionalismo, no misticismo, no irracionalismo, no anti-intelectualismo, etc, etc. 

Para o êxito revolucionário das luzes, são esses que devemos derrotar.

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