Qual a grande preocupação da humanidade para o século XXI? Até a invasão da Ucrânia pela Rússia, que trouxe de volta o risco de um desastre nuclear, é provável que boa parte dos leitores respondesse sem pensar duas vezes: o meio-ambiente. Razões para isto não faltam. Mas há também motivos para ficarmos mais otimistas. O economista Alessio Terzi afirma que, se ainda há muito o que fazer, também há razões para confiarmos que o mundo alcançará a tempo uma economia sustentável.
A seguir, a tradução de um texto de sua autoria, publicado no site da prestigiadíssima London School of Economics.
.
2020 estará nos livros de história como um ano trágico para a humanidade. E, no entanto, se é verdade que tudo tem um lado bom, a do ano passado [N.T.: esse texto foi escrito em 2021] pode ser o fato de que as emissões de CO2 caíram no ritmo mais rápido desde a Segunda Guerra Mundial (-6,4%)*.
Sem mistério aqui. As próprias medidas projetadas para conter a disseminação do COVID-19 paralisaram a economia mundial. Como muitos negócios não essenciais foram fechados e os consumidores ficaram em casa, o PIB global contraiu 4,9%. O comércio caiu 5,3% e a demanda por voos experimentou o declínio mais acentuado de sua história (-66%). No lado positivo, a natureza começou a se curar após anos de abusos nas mãos de uma sociedade industrial. Ou assim parecia. Fotos de golfinhos nadando nos canais agora de águas claras de Veneza se tornaram virais nas mídias sociais. Essas imagens foram posteriormente comprovadas como adulteradas e logo após as restrições mais rigorosas do COVID foram abandonadas. No entanto, muitos ficaram se perguntando se o crescimento econômico e a proteção do planeta não seriam dois objetivos inerentemente incompatíveis.
Tal dúvida tem ganhado alguns patronos notáveis. No mês passado, o Prêmio Nobel de Física Giorgio Parisi criticou os tomadores de decisão por sua devoção cega ao PIB, vista como irreconciliável com o Acordo de Paris. Essas palavras ecoam a repreensão da ativista climática Greta Thunberg, que exortou os líderes mundiais a abandonar os contos de fadas de crescimento econômico eterno já em 2019 e reiterou o apelo na COP26 em Glasgow.
A recente escassez de matérias primas alimenta ainda mais a sensação de que a humanidade está atingindo algumas duras restrições impostas por um planeta finito. O índice de preços CRB/BLS dos EUA de 13 commodities industriais, incluindo estanho, cobre, borracha, zinco, aço e chumbo, atingiu um recorde histórico recentemente. Energia e produtos alimentícios apresentaram trajetória ascendente semelhante. A atual recuperação pós-COVID inevitavelmente terá um preço.
A situação atual não é sem precedentes históricos. Em 1973, a consciência ambiental nascente combinada com os preços crescentes da energia levaram muitos a brincar com a ideia de que a economia era inevitavelmente limitada pelas fronteiras finitas do planeta. Apenas um ano antes, um grupo de biofísicos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) havia produzido um relatório mapeando as interações entre população, economia e meio ambiente. A conclusão inevitável: interromper o crescimento exponencial ou enfrentar uma catástrofe. Mesmo que a escassez de petróleo na época fosse devida a tensões geopolíticas no Oriente Médio, em vez de restrições naturais, “The Limits to Growth”, do MIT, tornou-se um best-seller, com mais de 30 milhões de cópias vendidas.
Na verdade, o crescimento econômico não implica na extração cada vez maior de recursos da natureza, nem em emissões inevitáveis de gases de efeito estufa. Desde 1990, a União Europeia reduziu suas emissões de CO2 em um quarto, enquanto o PIB real cresceu 62%. O mesmo vale para os EUA. Mesmo levando em conta que parte da produção poluente foi transferida para o exterior, as emissões diminuíram (-13%) entre 2007 e 2016, enquanto o PIB cresceu 13%.
O professor do MIT Andrew McAfee demonstrou em seu recente livro “More from Less” que, desde a década de 1970, a economia americana, em especial o setor industrial, já se desvinculou (ou se “desmaterializou”) de praticamente todos os 72 recursos materiais rastreados pelo US Geological Survey, incluindo metais, madeira, cimento, mesmo contabilizando as importações de matérias-primas.
O uso de energia não é diferente. Nos países da OCDE, o PIB aumentou 32% entre 2000 e 2016, enquanto a demanda de energia primária caiu (-1%). Em um artigo de pesquisa de 2018, o professor Michael Grubb e os coautores da University College London fornecem uma explicação. Quando os preços da energia aumentam, como ocorreu durante a crise do petróleo da década de 1970, no curto prazo os resultados são efeitos recessivos. No longo prazo, porém, melhorias significativas na eficiência energética trazem as economias de volta ao equilíbrio. Em outras palavras, a economia é incrivelmente adaptável, longe das rígidas relações mecânicas modeladas em “The Limits to Growth”. Quando se leva em consideração a adoção de políticas ambientais cada vez mais rigorosas, o declínio observado na demanda de energia e nas emissões de CO2 não é surpreendente.
Parar o crescimento econômico não apenas está longe de ser necessário para preservar o planeta, mas também viria com grandes desvantagens. Para os países ricos, fazer isto significaria menos recursos disponíveis para custear saúde e pensões, em um momento em que a parcela da população idosa está em rápida expansão. Para nações menos ricas, essa opção é ainda mais absurda, pois abandonar o crescimento confinaria muitos a uma condição de miséria, com várias necessidades básicas não atendidas. A agitação social seria quase certa.
O crescimento pode se tornar verde, mesmo que isso exija a rápida adoção de novas tecnologias. Fundamentalmente, isso se apoiará na busca contínua de pesquisa e inovação, alavancando a engenhosidade humana, que felizmente não conhece limites.
* N.T.: como o próprio texto prevê, boa parte dessa queda foi revertida já em 2021, com a reabertura econômica.
.
Autor: Alessio Terzi
Tradutor: Sergio Diotaiuti
Publicado originalmente 9 de novembro de 2021 aqui.