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setembro 4, 2022

Ler "Por Que as Nações Fracassam?", de Daron Acemoglu e James A. Robinson, mudou um pouco a forma como eu via as causas da riqueza ou pobreza das nações. Para os adeptos do liberalismo econômico é ponto pacífico que o capitalismo de livre mercado leva ao desenvolvimento social e econômico, enquanto que o socialismo tende à ruína.  Mas há muito tempo, as explicações convencionais usadas pelos prosélitos do liberalismo não me pareciam satisfatórias.

Alguns tentam explicar o sucesso ou fracasso das nações com base no tamanho do estado, o que não parece explicar muito bem o sucesso dos países escandinavos, por exemplo. Outros preferem a distinção entre países que, a grosso modo, adotam uma economia de mercado e países que adotam o socialismo, mas além do fato de que poucos países hoje adotam alguma forma de economia totalmente planificada, há também o fato de que muitos países que fracassaram de forma evidente, como Haiti, Libéria, Serra Leoa e tantos outros, nunca tiveram regimes que pudessem ser chamados propriamente de socialistas. O livro me convenceu que melhor do que dividir o mundo entre países capitalistas e países socialistas é separar os países entre os que adotam instituições inclusivas e os que adotam instituições extrativistas.

As instituições extrativistas são aquelas que predominaram durante a maior parte da história da civilização. São aquelas pensadas para proteger os interesses das classes dominantes e manter o poder político e econômico sempre nas mãos das mesmas pessoas, impedindo a competição, instituindo governos repressivos, preservando privilégios, impedindo a mobilidade social e consequentemente, desestimulando a inovação e o investimento. Até mesmo o progresso tecnológico tende a ficar estagnado ou a avançar muito lentamente sob instituições extrativistas, pois inovação implica substituir algo velho por algo novo, o que, quase sempre, implica em fazer com que uma nova classe ascenda socialmente enquanto outra classe entra em decadência. Nem preciso dizer que o mais comum, nos dias de hoje, é que instituições extrativistas criem um capitalismo de compadrio ou alguma forma de corporativismo. O livro não fala muito em socialismo, mas os autores quase sempre associam os países socialistas às instituições extrativistas. Na verdade, eles chegam mesmo a afirmar que o comunismo foi o absolutismo do século XX.  Mesmo quando uma revolução acontece, guiada por líderes idealistas realmente dispostos a melhorar a vida dos mais pobres, eles logo são corrompidos pelas estruturas extrativistas existentes e logo se transformam na nova classe opressora, um fenômeno que o sociólogo alemão Robert Michels chamou de “Lei de Ferro das Oligarquias”.

Um exemplo notável é o da Etiópia. (Aliás, o livro é riquíssimo em exemplos históricos. Você tem a sensação de estar lendo um livro sobre história, não sobre economia). A Etiópia tinha uma monarquia absolutista cujo último imperador foi Hailé Selassié, destronado por uma junta de militares socialistas conhecida como Derg. Aos poucos, um dos revolucionários, Mengistu Hailé Mariam, tomou sozinho o controle do país. Seus aliados contam sobre como ele se transformou, partindo de um revolucionário idealista, avesso a todo luxo, desigualdade e hábitos burgueses, para se tornar simplesmente um novo imperador salomônico. Há casos de instituições extrativistas em que as mesmas elites se perpetuam no poder, e há casos em que as elites mudam, após uma revolução, mas as estruturas opressivas continuam. Mas, em geral, as instituições geram um ciclo muito difícil de ser rompido e tendem a se perpetuar indefinidamente.

A ideia de que os países da América Latina, África e partes da Ásia são pobres por conta da forma como foram colonizados está parcialmente correta. Nossas instituições extrativistas foram implantadas durante a colonização europeia e se arrastam desde então pois, como dissemos, as instituições tendem a se perpetuar indefinidamente. As instituições, nessas regiões, foram desenhadas para explorar os recursos naturais e escravizar as populações nativas, enriquecendo apenas uma pequena elite.

Isso não significa dizer, contudo, que a exploração tenha enriquecido a população europeia. Pelo contrário, a Europa hoje é desenvolvida porque foi o primeiro continente a adotar instituições inclusivas. Os colegas do Economia Mainstream tem um ótimo texto que aborda em detalhes esse ponto. (Leia depois: "Os países europeus são ricos por causa do colonialismo?"). Em resumo: há boas razões para acreditar que o colonialismo tenha sim prejudicado grande parte dos países colonizados, mas não para crer que o colonialismo tenha enriquecido os países colonizadores.

Retomando: quando, por uma convergência de fatores, uma elite opressora é derrubada e substituída por uma frente bastante ampla de classes e interesses diversos, surgem as instituições inclusivas. A amplitude de interesses das classes governantes impede que uma elite pequena consiga prevalecer sobre as demais. O poder é descentralizado e os que o exercem são forçados a firmar um acordo implícito de que não tentarão oprimir uns aos outros. O respeito pela pequena propriedade privada, a livre concorrência, a igualdade de tratamento perante a lei, o estado de direito, a democracia e as liberdades civis são consequências de instituições inclusivas: elas estimulam a inovação, o trabalho e tornam os investimentos mais seguros, o que ajuda a desenvolver o país a longo prazo. Claro que as instituições inclusivas não são nada além daquilo que nós, liberais, sempre defendemos, não só como meios para o desenvolvimento mas como fins em si mesmos. A diferença de perspectiva que o livro me deu foi de que criar instituições inclusivas não é só uma questão de vontade política e é bastante complicado de se conseguir. Não basta que a maioria concorde em ter instituições inclusivas, até porque, as instituições extrativistas existem justamente para fazer com que a vontade de uma minoria prevaleça sobre a da maioria.

O primeiro país a adotar instituições plenamente inclusivas foi a Inglaterra. Com a Revolução Gloriosa, a monarquia absolutista foi derrubada, e o parlamento, que representava uma ampla gama de interesses, ganha mais poderes. A Revolução Gloriosa, é claro, foi apenas o evento final que selou esse novo cenário, mas a Inglaterra já vinha de um longo histórico de conflitos entre o rei e os nobres, com os nobres conseguindo limitar os poderes do rei, desde o surgimento da Carta Magna, ainda na Idade Média. Após a Revolução Gloriosa, a Inglaterra entra num ciclo virtuoso, com cada vez mais pessoas participando do poder, culminando com o sufrágio universal no século XX. Foi por ter sido o primeiro país a adotar instituições inclusivas que a Inglaterra também foi o primeiro país a ter uma Revolução Industrial. As elites já não podiam mais impedir a inovação, então uma explosão de novas ideias aconteceu. Essa onda de inovação gerou ainda mais mobilidade social, com industriais ascendendo e outras sucumbindo diante das mudanças tecnológicas, o que tornou ainda mais improvável que uma pequena elite conseguisse se sobrepor sobre todas as outras, o que por sua vez tornou as instituições ainda mais inclusivas. Foi uma questão de tempo até que as instituições inclusivas começassem a dar voz e vez não só para os ricos industriais mas também para a classe trabalhadora.

Embora a explicação institucional soe como música para a maioria dos liberais, os autores não poupam ninguém, nem mesmo os liberais. Os autores deixam bem claro que reformas econômicas em direção a mercados mais livres raramente serão amplas o suficiente em países com instituições extrativistas. Pelo contrário, nesses casos, essas reformas são usadas como meros subterfúgios para manter tudo como está. Os autores citam como exemplo os processos de privatização em países como México e Egito, onde os monopólios estatais foram transformados simplesmente em monopólios privados.

Mas o caso mais ilustrativo é o da Guatemala. Em 1993, o governo que chegou ao poder no país era composto quase que totalmente por descendentes diretos dos conquistadores espanhóis do século XVII. A princípio, os colonizadores europeus só exploraram as regiões do litoral atlântico, de onde era mais fácil exportar seus produtos para a Europa, deixando o interior livre para as populações nativas, remanescentes dos maias, que detinham vastas extensões de terras exploradas coletivamente. A elite dos colonizadores (e seus descendentes) também não estava interessada em desenvolver o interior do país e evitava obras de infraestrutura em outras regiões. Conforme o mundo se desenvolve no século XIX, contudo, cresce a demanda por café e uma nova classe de produtores interessados em explorar esse produto chega ao poder. Os representantes políticos dessa nova classe se intitulavam “liberais” e se diziam dispostos a modernizar o país. Mas eles não mudariam, de fato, as instituições extrativistas do país. Estes autointitulados liberais, sob a desculpa de “privatizar” as terras do interior, leiloam essas terras para membros da elite com boas conexões políticas, formando grandes latifúndios. Na prática, eles apenas expropriaram as terras que pertenciam às populações nativas. Também através de um processo de servidão por dividas, de leis “contra a vadiagem” que proibiam que qualquer pessoa ficasse muito tempo sem trabalhar e com limitações ao direito de se locomover, essa elite logrou criar uma nova forma de servidão e explorar a mão de obra dos nativos com trabalhos praticamente forçados.

A tese da Nova Escola Institucional à qual os autores se filiam, hoje é, em geral, bem aceita entre os liberais e foi bastante incorporada à economia mainstream. A grande contribuição dessa escola foi mostrar que os mercados só funcionam da forma como os economistas convencionais descrevem se estiver dentro de um determinado arcabouço institucional. Caso contrário, é como se o jogo estivesse viciado, como se as regras não se aplicassem e como se o dono da bola vencesse sempre. O livro não encerra tudo o que essa escola tem a dizer, sendo somente o livro que popularizou esse pensamento para o público leigo.

Outra mudança de perspectiva que o livro pode trazer é que alguns liberais parecem confiar demais na profecia de alguns economistas, principalmente os austríacos, de que o socialismo, cedo ou tarde, acaba entrando em colapso. De fato, parece que economias totalmente planificadas tendem mesmo a falhar miseravelmente, mas as instituições extrativistas, inclusive aquelas que usam o socialismo como mera fachada, podem durar indefinidamente porque elas são pensadas justamente para isso.

Nem todas as ideias apresentadas no livro, contudo, me convenceram totalmente. Um exemplo é a rejeição quase que total que os autores fazem das outras três explicações mais aceitas para o desenvolvimento das nações, que são: (i) a hipótese geográfica, que tenta explicar o desenvolvimento com base em aspectos geográficos do território do país; (ii) a hipótese cultural, que tenta explicar o desenvolvimento com base na cultura, religião, hábitos e costumes do povo; e (iii) a tese da ignorância, que postula que os governantes não adotam as políticas corretas porque não as conhecem ou porque não acreditam nelas. Na minha opinião, todos esses fatores têm algum peso em determinar quais instituições acabarão prevalecendo, embora a explicação institucional seja aquela que dá a palavra final.

"Por Que as Nações Fracassam?" é uma leitura prazerosa, que me influenciou profundamente e mudou bastante a forma como eu encaro o funcionamento da política e da economia. Pode parecer um livro desanimador, num primeiro momento, por mostrar que não podemos simplesmente optar por instituições liberais, ainda que conseguíssemos convencer a população de que isso é o melhor para todos. No entanto, encarar as coisas de uma forma mais realista nos ajuda a pensar em soluções mais eficazes.

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