As teorias da conspiração se tornaram cada vez mais populares com o advento da internet e sua facilidade de propagar informação. Infelizmente, contudo, ela também amplificou a voz de pessoas com conhecimento limitado, emitindo opiniões rasas sobre assuntos complexos. Embora não se limite a apenas um lado do espectro político, não há como negar que as teorias da conspiração tenham se tornado mais comuns no lado direito das narrativas políticas. Contudo, é bastante incoerente que a direita antissocialista (o que é quase um pleonasmo) aceite teorias da conspiração tão mirabolantes com tanta facilidade. O que uma coisa tem a ver com a outra? Tem muito a ver, como pretendo mostrar.
Vamos recordar por que o socialismo não funciona. A direita adora lembrar que o socialismo tende à ruína econômica, à fome, à miséria e, no fim, costuma colapsar sobre seu próprio peso. Se socialismo aqui for sinônimo de uma economia planificada, me sinto inclinado a concordar, mas qual é a base para tais afirmações? Segundo Hayek, isso acontece porque é impossível reunir toda a informação necessária para controlar um sistema tão complexo quanto a economia de um país inteiro. Há sempre inúmeras variáveis que fogem do controle dos planejadores centrais. Além de que, é extremamente difícil lidar com a imensa variedade de inclinações, valores, interesses e aspirações das pessoas. Este foi o principal e mais influente argumento contra o socialismo, pelo menos entre seus opositores mais radicais e mais ferrenhos. Resumindo, o socialismo não funciona porque é impossível controlar coisas muito complexas.
O interessante é que conspirações tendem a falhar pelo mesmo motivo, por isso eu me espanto com a quantidade de pessoas que usam os argumentos de Hayek quando o assunto é socialismo, mas que acreditam que um pequeno grupo de pessoas consegue controlar países inteiros, governos, veículos de mídia, universidades, instituições. E ainda fazer tudo isso de forma discreta, sem que a maioria se dê conta.
Tome, por exemplo, a teoria da conspiração de que o pouso da missão Apollo 11 na Lua, em 1969, foi forjado. A missão envolveu ao menos 500 mil pessoas, então como seria possível manter absolutamente todos de bico fechado por mais de 50 anos? Não se trata apenas da ausência de delatores, eventualmente pode aparecer algum maluco envolvido, em busca de fama, afirmando que foi tudo uma fraude (se bem que até hoje, nem isso aconteceu). Trata-se, é claro, da ausência de delações que apresentem provas. Agora pegue teorias ainda mais mirabolantes como a de que existe um governo mundial secreto, a de que existe uma rede de pedofilia secreta envolvendo todos os líderes mundiais ou a de que todos os governos do mundo sabem que as vacinas contra a Covid-19 são prejudiciais para a população e aplicam mesmo assim por alguma razão maléfica e obscura. O grau de controle sobre a sociedade necessário para levar a cabo tais conspirações, com sucesso, seria mais que suficiente para fazer o socialismo funcionar.
Karl Popper, que teve uma considerável influência de Hayek, explica isso melhor em "A Sociedade Aberta e Seus Inimigos":
"Não quero sugerir que as conspirações nunca acontecem. Pelo contrário, são fenômenos sociais típicos. Elas se tornam importantes, por exemplo, sempre que pessoas que acreditam na teoria da conspiração entram no poder. E as pessoas que sinceramente acreditam que sabem como construir o paraíso na terra provavelmente adotarão a teoria da conspiração e se envolverão em uma contra-conspiração contra conspiradores inexistentes. Pois a única explicação de seu fracasso em produzir seu paraíso é a intenção maligna do Diabo, que tem interesse no inferno.
Conspirações ocorrem, isso deve ser admitido. Mas o fato surpreendente que, apesar de suas ocorrências, refuta a teoria da conspiração é que poucas dessas conspirações são bem sucedidas. Conspiradores raramente consumam sua conspiração.
Por que isto é assim? Por que as conquistas diferem tão amplamente das aspirações? Porque este é geralmente o caso na vida social, conspiração ou não conspiração. A vida social não é apenas uma prova de força entre grupos opostos: é a ação dentro de uma estrutura mais ou menos resiliente ou frágil de instituições e tradições, e cria - à parte de qualquer contra-ação consciente - muitas reações imprevistas nesse contexto, algumas delas talvez até imprevisíveis.
Uma das ações econômicas mais primitivas pode servir de exemplo para tornar bem clara a ideia de consequências não intencionais de nossas ações. Se um homem deseja urgentemente comprar uma casa, podemos seguramente assumir que ele não deseja aumentar o preço de mercado das casas. Mas o próprio fato de ele aparecer no mercado como comprador tenderá a elevar os preços do mercado. E observações análogas valem para o vendedor. Ou, para dar um exemplo de um campo muito diferente, se um homem decidir segurar sua vida, é improvável que ele tenha a intenção de encorajar algumas pessoas a investir seu dinheiro em ações de seguro. Mas ele fará isso mesmo assim. Vemos aqui claramente que nem todas as consequências de nossas ações são consequências intencionais; e, consequentemente, que a teoria da conspiração da sociedade não pode ser verdadeira porque equivale à afirmação de que todos os resultados, mesmo aqueles que à primeira vista não parecem ser intencionados por ninguém, são os resultados pretendidos das ações das pessoas que estão interessadas nesses resultados."
Resumindo a explicação de Popper, grandes conspirações tendem a não funcionar pelo mesmo motivo que o socialismo não funciona: porque é impossível ter controle sobre sistemas muito complexos. Quando um pequeno grupo se engaja em tal tentativa, é comum que surjam consequências inesperadas e que as coisas acabem fugindo do seu controle.
Numa época que temos terraplanistas e antivacinas eu acredito que a coerência é (infelizmente) algo superestimado. A explicação para a incoerência está nos estudos de comportamento.
Mas pensando no ponto do Hayek: com a evolução da tecnologia de computação será que não estamos nos aproximando do ponto que uma economia planejada será possível? A capacidade de estocar e processar informação aumenta cada vez mais.