A Operação Lava Jato recebe leituras distintas conforme sai cada vez mais de cena. Deixou seu protagonismo moralizante com algumas polêmicas. Para alguns, os magistrados envolvidos são heróis da Justiça contra os malfeitores que saquearam o povo brasileiro; para outros, apenas mais uma articulação das elites com fins a criminalizar partidos e políticos, e que teria quebrado economicamente o pais. Há, inclusive, quem ache que a operação foi minuciosamente planejada contra o país e o Partido que o governava. Há exagero em todas essas leituras.
A Lava Jato se firmou como uma ação complexa que se deu em meio a um país de tradição patrimonialista e corrupção endêmica. Nosso histórico autoritário incentivou excesso dos atores da lei, mas não se apaga o legado deixado na devolução de milhões de reais aos cofres públicos e a amenização do sentimento de impunidade entre os donos do poder. Há de se separar o joio do trigo.
Episódio particular em toda essa história envolve o ex-juiz Sergio Moro e os ativistas judiciais de Curitiba, que formaram uma espécie de Partido dos Procuradores. Eles ganharam fama, mas entrarão para a história por montarem um conluio tendo como objetivo impedir a candidatura de Lula à presidência da república. O petista foi preso em um processo ilegal montado por uma quadrilha inescrupulosa que rasgou a Constituição a fim de atender interesses políticos. O ex-presidente pode até ser culpado, há muitas provas contra ele. Mas em uma democracia constitucional não se estabelece acordos entre agentes públicos acusadores e julgadores, na pretensão de alcançar uma sentença pré-estabelecida.
Moro se entregou não só em gravações que vieram à público e provaram a grande articulação anti-republicana, sua entrada no Ministério da Justiça de Bolsonaro demonstrou os interesses políticos por trás do juiz apenas reconfirmados com sua possível candidatura em 2022.
Pessoalmente, acho uma vergonha liberais até hoje darem apoio ao lavajatismo de Curitiba. Esqueceram de um dos princípios essenciais da teoria liberal: o império das leis.
No Brasil, um país de tradição estatizante, o liberalismo se organizou de forma torta e às vezes paradoxal. A campanha da esquerda contra o que ela entendeu ser “neoliberalismo” ajudou a simplificar grosseiramente o liberalismo como sendo exclusivamente um pensamento econômico da burguesia contra os trabalhadores, onde a regra única seria reduzir o Estado a funções mínimas. Confunde-se liberismo (redução da doutrina liberal ao exclusivo aspecto econômico) com o liberalismo propriamente dito. A riqueza do pensamento liberal foi ignorada mesmo por quem se diz integrante dele. O liberalismo se pronuncia em aspectos morais, políticos e jurídicos. Quem acolheu na íntegra a doutrina das liberdades jamais poderia, por exemplo, ter dado apoio a um presidente amante das ditaduras e com profundo desprezo pela ordem constitucional, como é o caso de Bolsonaro, que não foi capaz de ser liberal nem na economia.
Os liberais, pelo menos os inscritos na tradição democrática, devem entender a Lava Jato usando de seus recursos teóricos. A empolgação por uma ação de moralização da vida pública não pode ignorar que justiça só pode realmente ser justiça quando feita dentro das regras do jogo, ou seja, pela via das leis.
No final das contas, a Lava Jato introduziu na nossa cultura algum sinal de que a igualdade republicana de que todos são iguais perante a lei pode um dia se tornar parte permanente das relações políticas brasileiras. Não podemos esquecer, contudo, que a simples ideia de punição não pode substituir as exigências processuais e nem devemos, ainda, fingir desconhecer que uma avalanche condenatória no seio da vida produtiva do país irá desestabilizar a economia, custar empregos e estabilidade social.
O Partido dos Procuradores se separou da institucionalidade que separa os poderes, colaborou para criminalizar a política para que ele mesmo fosse uma força política futura. Dallagnol e Moro, de olho em cargos eletivos, não me deixam mentir.
A Lava Jato trouxe ganhos democráticos e virou uma página na nossa história de impunidade aos ricos. Os liberais devem olhar com bons olhos essa sua virtude. Contudo, não podemos, comprometidos que somos com o império das leis e o constutucionalismo, aceitar a politização do judiciário em nome de um messianismo judicial demonizador dos organismos coletivos da democracia de partidos. Liberais que ainda se rodeiam de Moro e do lavajatismo se desconfiguram no que toca sua responsabilidade com a defesa das liberdades individuais, violadas muitas vezes pelo ativismo de magistrados sem consciência republicana.
Adelson Vidal Alves é licenciado em História com especialização em História contemporânea pelo UGB (Centro Universitário Geraldo Di Biase), colunista do jornal Folha do Aço e do site Horizontes Democráticos, editor do blog Voz Liberal e autor de “Escritos sobre a peste: breves reflexões sobre a pandemia de Covid-19".
O sr. esqueceu um detalhe: o Lula não foi condenado apenas pelo Sérgio Moro. Por unanimidade três instâncias o condenaram e não foi inocentado pelo STF.