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abril 6, 2022

"Dívidas e déficit não são invenções da ideologia. São fatos da aritmética".

- Paul Martin, ex-Primeiro Ministro do Canadá.

“A Agenda Liberal se impõe.”

- Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central do Brasil e um dos elaboradores do Plano Real.

Uma das coisas mais desconcertantes sobre pessoas brilhantes que morrem relativamente jovens é pensar o quanto elas produziriam se tivessem vivido mais. É impossível não pensar nas oportunidades perdidas com a morte de mentes como as do matemático John von Neumann, que faleceu aos 53 anos.

Em 2020, apenas um mês após completar 63 anos, faleceu (não de Covid-19) o economista político italiano e professor de Harvard Alberto Alesina. Apenas um ano antes, Alesina publicou, junto com dois colegas, Francesco Giavazzi e Carlo Favero, o livro "Austerity: When it Works and When it Doesn’t". Trata-se de um trabalho extenuante, que reúne o resultado de estudos quantitativos e qualitativos de inúmeros planos de austeridade realizados em 16 países da OCDE entre 1981 e 2014. Apesar de relativamente curto e bem escrito, o livro é denso, com capítulos que mergulham em matemática pesada e em evidências históricas maçantes. Ainda assim, a obra é relativamente acessível para o público leigo, e os autores sugerem leituras diferentes para pessoas com diferentes objetivos e formações. O resultado de sua pesquisa é extremamente robusto: um enorme banco de dados que não está restrito nem a determinado período nem a apenas uma ou outra região, que pode ser utilizado para muitas outras pesquisas.

Para os autores, a austeridade só é necessária por erros do governo: se todos os países tivessem orçamentos balanceados, gastando mais do que arrecadam apenas nas épocas de crises econômicas, tal necessidade sequer existiria. No Brasil, é irônico como o PT, partido que plantou ao longo de uma década as sementes da crise iniciada ainda em 2014, critique a austeridade: foram os erros do partido que trouxeram a necessidade de austeridade para o Brasil. Se você deseja culpar alguém por medidas como o Teto de Gastos, culpe seus críticos, pois foram eles que tornaram a existência de uma âncora fiscal tão importante — para não dizer inevitável.

Austeridade baseada em aumento de impostos e em corte de gastos

Alesina e seus colegas afirmam que a austeridade pode ser feita basicamente de duas formas: via aumento de impostos e via corte de gastos. A primeira é a favorita dos críticos da austeridade. Para tal grupo, austeridade via gastos seria uma medida severamente recessiva, que cobraria um preço caro demais para os mais pobres. Segundo os autores, a ideia keynesiana de que impostos têm um impacto maior que o corte de gastos na economia não se sustenta mais, pois Keynes escreveu na década de 1930, época em que a carga tributária da maioria dos países ricos era menos da metade da atual, que em alguns casos passa de 40%. É aqui que está uma das grandes contribuições do trabalho de Alesina e seus colegas: a austeridade baseada em cortes de gastos possui um efeito suave na economia, não causando recessões. Já a baseada em aumento de impostos é amplamente recessiva. Em outras palavras, aqueles que clamam que os ricos devem pagar pela crise até podem não perceber mas estão defendendo medidas que causam tudo aquilo que acreditam estar combatendo: recessão, pobreza, desemprego, e juros mais altos.

Figura 1: Resposta do PIB para os dois tipos de austeridade. Na melhor das hipóteses, resolver problemas fiscais via impostos é pior que a versão mais pessimista da austeridade via corte de gastos.

Os motivos são muitos, mas recaem essencialmente nas expectativas da população. Austeridade por impostos significa simplesmente que o governo não quer fazer o dever de casa, isto é, cortar da própria carne e resolver o problema de gastos explosivos. Como os governos se negam a resolver o problema do crescimento insustentável do gasto público, os investimentos permanecem baixos, dado que os investidores esperam por novos aumentos nos impostos no médio prazo, minando seus lucros. Já a austeridade via corte de gastos demonstra comprometimento do governo na resolução do problema, fazendo com que a confiança no longo prazo aumente, resultando em mais investimentos e fortalecendo a economia. O mesmo ocorre com o consumo: o aumento dos impostos faz com que a população gaste menos, esperando os impostos abaixarem novamente.

Figura 2: Austeridade baseada em impostos resulta em uma queda acentuada do consumo pela população, que fica mais pobre.
Figura 3: já a austeridade por corte de gastos significa mais investimentos, mais empregos e mais avanços tecnológicos. Austeridade por impostos significa uma queda constante de tudo isto.

Resultado similar ocorre com os juros: conforme demonstra o resultado da pesquisa, é a austeridade por corte de gastos que possui poder de abaixá-los. Novamente aqui os críticos dos cortes de gastos — que acusam os liberais de medidas draconianas e de darem dinheiro excessivo para o sistema financeiro — estão defendendo, na prática, uma taxa de juros mais alta.

Para piorar, a austeridade por aumento de impostos simplesmente não funciona: segundo os autores, os países que tentaram balancear seus orçamentos via aumento de impostos fracassaram totalmente. Não apenas aumentar os impostos tem um preço mais alto para a população, é também uma medida mais ineficaz para combater o problema do déficit.

Cabe a pergunta. Por que o ajuste via impostos permanece popular se ele é tão ineficiente assim? Os autores fornecem algumas explicações. A evidência de que o ajuste por corte de gastos é mais eficiente é recente, ficando clara apenas na última década. Normalmente entende-se que o ajuste via impostos recairá sobre os mais ricos (ainda que isso não seja sempre verdade), o que significa que sua defesa pode ser um caso de sinalização de virtudes. Mais importante ainda, não podemos nos esquecer que o corte de gastos significa muito mais do que corte de gastos sociais. Grupos com lobbies fortes, como aqueles que recebem incentivos fiscais e servidores públicos do primeiro escalão, conseguem barrar o corte de gastos em suas áreas, fazendo com que o ajuste por impostos seja politicamente menos custoso. Novamente, talvez sem perceber, os críticos do corte de gastos estão defendendo uma elite, não os mais pobres.

Austeridade e eleições

Em 2010, ex-primeiro ministro de Luxemburgo Jean-Claude Juncker afirmou que "todos nós sabemos o que fazer. O que não sabemos é como sermos reeleitos depois". Será verdade? A última contribuição de Alesina e seus colegas é tentar descobrir se a austeridade é, de fato, o "beijo da morte" nas eleições, testando a tese de James Buchanan em "Democracia em Déficit" (aos que quiserem saber mais sobre a tese, escrevi uma resenha do livro citado pelos autores).

Para a surpresa geral, não é necessariamente verdade que a austeridade seja impopular. De fato, os autores deixam claro que nessa parte as conclusões não são tão robustas quanto no resto do livro, até porque eleições dependem de muitos fatores abstratos e de difícil mensuração, tal como o carisma dos candidatos. Mas se por um lado a tese de Buchanan não pode ser descartada, por outro é possível, como ocorreu no caso do governo inglês no início da década de 2010, que a população recompense nas urnas um governo que adotou medidas duras de consolidação fiscal e gerou bons números na economia. Evidentemente, isso é totalmente diferente de dizer que austeridade é popular e fará com que um governo austero consiga ser reeleito. O grande argumento aqui é que a população frequentemente entende a necessidade da responsabilidade fiscal, e pode até votar em candidatos que prometam uma política fiscal dura quando a realidade se impõe.

A responsabilidade fiscal não deve, na opinião dos autores, ser perseguida a qualquer custo. O governo deve ser responsável nos momentos de bonança para que possa, durante as crises, aumentar os gastos e reduzir o impacto das recessões. A Alemanha, por exemplo, tentou buscar superávits no auge da Crise do Euro, quando déficits moderados poderiam ajudar a economia, algo contraprudente segundo Alesina. Mas a responsabilidade fiscal deve ser a regra, não a exceção. O governo não pode gastar mais que arrecada indefinidamente: uma hora a conta chegará e, se não formos nós que pagaremos a conta, serão as futuras gerações, que não tomaram a decisão de bancar os gastos insustentáveis. Quanto mais cedo a população entender que o governo não pode simplesmente gastar mais do que arrecada, mais rapidamente sairemos do atoleiro.

One comment on “Por que o ajuste fiscal deve ser feito essencialmente por corte de gastos, e não por aumento dos impostos”

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