Procure no site:

setembro 20, 2021

Em um relatório sobre o crescimento econômico do Banco Mundial consta que apenas treze economias experimentaram um crescimento rápido e sustentado (mais de 7% ao ano) desde a Segunda Guerra Mundial. A grande maioria dessas economias está no Leste e Sudeste Asiático, incluindo China, Coreia do Sul e Cingapura. Mas no topo do relatório está um país africano: Botswana. Os antiglobalistas podem caricaturar o capitalismo e o livre comércio como sistemas que perpetuam o imperialismo para explorar a África em benefício do Norte Global. Mas Botswana abraçou ambos e se tornou o país mais próspero e mais livre da África Subsaariana.

De gado a diamantes

Em 1966, Botswana conquistou sua independência do Reino Unido após anos de domínio estrangeiro. Um país do tamanho da França que tinha apenas 12 quilômetros de estradas, 22 bacharéis e duas escolas secundárias. Havia muito mais gado do que indústria, e a geografia de Botswana os deixou como uma região principalmente árida e sem litoral. Naquela época, Botswana era um dos países mais pobres do mundo. Foi durante essa estagnação econômica que Seretse Khama foi eleito o primeiro presidente do Botswana, e foi Khama quem começou a implementar reformas voltadas para o mercado.

Em uma economia empobrecida e sem demanda doméstica, a Botswana Meat Commission (BMC) foi criada para direcionar a pecuária para as exportações, fortalecer os direitos de propriedade privada e prevenir a proliferação de doenças animais. A combinação de disciplina de exportação e competição estrangeira levou os fazendeiros locais a serem extremamente competitivos. A carne era de tão boa qualidade que foi permitida na Comunidade Econômica Europeia (hoje União Europeia). O lema era "comércio ao invés de ajuda".

As coisas se aceleraram com a descoberta da maior mina de diamantes na região de Orapa, na parte centro-leste do país. Khama era um pragmático e negociador. Em vez de nacionalizar o setor, ele criou uma joint venture com a De Beers: Debswana. O governo de Khama prometeu impostos baixos às mineradoras e abriu a economia ao investimento estrangeiro direto (IED). A operação de mineração ainda é administrada pela De Beers e o estado ainda possui metade do capital da empresa. Esta renda de diamantes é reinvestida em infraestrutura pública, educação e saúde para o benefício de todos. Outros países africanos, como a República Democrática do Congo, Angola e Serra Leoa também são ricos em diamantes e recursos naturais, mas ainda não experimentaram o mesmo tipo de desenvolvimento. Os diamantes de Orapa eram uma condição necessária, mas não suficiente. Foi a boa governança de Khama que garantiu o desenvolvimento de Botswana.

Ninguém previu que Botswana se tornaria a economia de crescimento mais rápido do mundo (a uma taxa anual de 14,5% entre 1966 e 1998) e que a taxa de mortalidade infantil cairia por quatro. Botswana é agora um país de renda média alta com o maior PIB per capita da África Subsaariana. Foi o primeiro país a passar do status de país menos desenvolvido (LDCs) em 1994 e planeja ser um país de alta renda em 2036.

Instituições importam

Botswana não é apenas uma história de sucesso econômico, mas também político. O país é uma exceção no continente africano, como uma democracia estável sem nenhum golpe de Estado. Desde a independência, as eleições têm sido livres e transparentes. No índice de Democracia, Botswana ocupa a 33ª posição, à frente de países como a Bélgica. A Transparency International lista Botswana como um dos países menos corruptos da África. Botswana não é apenas uma democracia onde a maioria pode ser ouvida, é também uma democracia liberal que promove a liberdade individual e a tolerância. Nas relações raciais (apesar de ser historicamente cercado por nações racistas como a África do Sul e a Rodésia), Botswana é uma democracia anti-racista e que não discrimina por cor. O animal simbólico do país é a zebra, e suas listras foram adicionadas à bandeira para representar a convivência pacífica de negros e brancos (em contraste com o Zimbábue socialista com as desastrosas reformas agrárias de Robert Mugabe). Sobre igualdade de gênero, o Tribunal Superior de Botswana recentemente descriminalizou a homossexualidade, afirmando que as leis anti-LGBT eram inconstitucionais.

Mas por que Botswana escolheu políticas tão sólidas? A resposta está nas instituições inclusivas. Botswana era um protetorado e não uma colônia (anteriormente Protetorado de Bechuanaland), e o país conseguiu escapar quase completamente da predação das instituições coloniais britânicas. Também foi capaz de salvar suas instituições historicamente inclusivas como o kgotla. O kgotla era semelhante às ágoras da Grécia Antiga, uma reunião pública onde todos tinham a palavra na política da tribo. O kgotla era uma instituição política inclusiva porque envolvia as pessoas comuns no exercício do poder político e atendia a dois critérios: pluralismo político e centralização política suficiente para garantir poder estável. Os chefes tswana centralizavam o poder, mas eram politicamente limitados e prestavam contas aos governados. Esta antiga tradição democrática continuou após a independência de Botswana. Além disso, a chefia tswana também tinha interesses na pecuária e apoiava instituições econômicas inclusivas, como propriedade privada e comércio, para expandi-la. Assim, uma economia de livre mercado surgiu em Botswana, contando com a ajuda de um Estado que a apoiou, garantindo a proteção dos direitos de propriedade privada, infraestrutura pública e serviços públicos como educação, fornecendo uma mão de obra qualificada e produtiva no mercado de trabalho. Essas instituições beneficiaram a todos. As instituições políticas e econômicas inclusivas de Botswana ajudaram a sustentar o crescimento econômico sob Seretse Khama e seu sucessor Quett Masire.

O argumento a favor do crescimento econômico inclusivo

Estados autoritários como a China estão inspirando cada vez mais os países em desenvolvimento, mas Botswana demonstra que o desenvolvimento por meio do autoritarismo não é uma panaceia. Se o autoritarismo fosse uma dádiva para o desenvolvimento, a África já seria um continente próspero e desenvolvido. No período de convergência de países pobres para países ricos (catch-up), o crescimento pode ser gerado mesmo com instituições políticas autoritárias, tal como o Partido Comunista Chinês (PCC) sob Deng Xiaoping no início dos anos 1980. Mas esse catch-up se esgota com a adoção de tecnologias já existentes, estando sujeito a retornos decrescentes. A inovação e o progresso técnico são necessários para promover a industrialização - e isso requer um livre mercado de ideias, com empresários que tenham liberdade para experimentar e competir com as elites dominantes. Uma estrutura que promove a liberdade individual não pode existir com instituições políticas extrativistas. Somente uma estrutura institucional política e econômica inclusiva permite o crescimento sustentado a longo prazo.

Tal como a República da Maurícia (a outra grande história de sucesso africana), Botswana escolheu a democracia liberal, uma economia orientada para o mercado, o livre comércio e políticas públicas sólidas para se desenvolver a um ritmo rápido. Botswana prova que a África não está condenada à pobreza perpétua, que as escolhas institucionais de um país são importantes e que a democracia liberal não é um conceito exclusivo do Ocidente.

.

Autora: Saranath Mataraarachchige.

Saranath Mataraarachchige é estudante de economia no Paris 1 Panthéon-Sorbonne, se especializando em crescimento econômico e instituições.

Tradução: Fernando Moreno.

Publicado originalmente em 15 de setembro de 2021 aqui.

Deixe seu comentário. Faça parte do debate

Discover more from Neoliberais

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading