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agosto 23, 2021

Maajid Nawaz (1977-) é um dos grandes nomes da militância humanista e neoiluminista, por assim dizer, no contexto islâmico da atualidade. Nascido na Inglaterra, filho de imigrantes paquistaneses, sempre teve o islamismo em sua vida pessoal e familiar, apesar de isto lhe render conflitos sociais. Deste modo, Nawaz se radicalizou na adolescência, muito em resposta ao racismo da direita identitária inglesa. Chegou a fazer parte do Hizb ut-Tahrir, grupo islâmico fundamentalista internacional e ficou preso no Egito de 2001 a 2006, experiência que o fez rever seus conceitos e entender que seu fundamentalismo islâmico era tão nocivo quanto o racismo da direita identitária inglesa. Com esta nova visão de mundo, Nawaz fundou a Quilliam, organização voltada para promoção dos valores da democracia liberal nos contextos islâmicos e também contribui com a Idea Beyond Borders, voltada a tradução e divulgação de ideias que promovem "pensamento crítico, direitos civis e humanos, ciência e pluralismo".

Atualmente é membro do Partido Liberal Democrata da Inglaterra. É autor da autobiografia "Radical", que conta mais detalhes de sua vida além dos expostos nesta introdução, além de autor de diversos textos sobre assuntos diversos envolvendo temas islâmicos. Um destes textos é o aqui traduzido, escrito na verdade em 2015, em resposta direta aos descaminhos da Inglaterra frente ao crescimento do fundamentalismo islâmico, bem como em uma defesa de valores como liberdade individual frente aos fundamentalismos religiosos e culturais. A princípio até pode parecer deslocado da grande questão do momento - a tomada do Afeganistão pelo grupo fundamentalista e terrorista sunita Talibã - mas não é. A defesa que Nawaz faz da democracia liberal aqui é atemporal e bastante pertinente num contexto em que o risco à civilização que o Talibã representa é relativizado por quem romantiza sua luta anti-imperialista e anti-ocidental, por quem de alguma maneira acha que valores arraigados que atentam contra a liberdade individual devem ser respeitados em nome de uma suposta diversidade.

Como bem diz Nawaz: "Quando essa relatividade cultural se torna a norma, elementos mais progressistas e liberais dentro de comunidades religiosas minoritárias ou grupos culturais em particular são traídos, apenas para serem cercados por todos os lados. Por meio dessa busca reducionista por “autenticidade” cultural, qualquer coisa considerada ocidental é gradualmente excluída por nossos neo-orientalistas como inautêntica, até que apenas as vozes mais conservadoras, dogmáticas e regressivas permaneçam - que são, ironicamente, um produto inteiramente da modernidade em si mesmas".

Relativizar o fundamentalismo terrorista do Talibã é trair as meninas, mulheres, LGBTs e minorias religiosas afegãs. É anti progressismo por excelência.

Segue abaixo a tradução.

Sobre a Blasfêmia 

Todo filósofo, profeta, cientista e grande reformador político e social de sua época começou como um herege. Maomé blasfemava contra a ordem social politeísta de Meca, Jesus contra o legalismo monoteísta do Templo e Moisés antes deles contra os ídolos dos Filhos de Israel. O direito à heresia, à blasfêmia e a falar contra o dogma predominante é tão sagrado e divino quanto qualquer ato de oração. Nossa liberdade conquistada a duras penas, nosso desejo de ser irreverentes com o antigo e questionar o novo podem ser reduzidos a um direito básico e indispensável: deve ser o direito à liberdade de expressão. Nossa liberdade de falar representa nossa liberdade de pensar, nossa capacidade de criar, inovar e progredir. Você não pode matar uma ideia, mas certamente pode matar uma pessoa por expressá-la. Pois se liberdade significa alguma coisa, é o direito de se expressar sem ser morto por isso.

A importância do liberalismo internalizado na sociedade britânica contemporânea passou a representar uma pedra angular do pensamento liberal democrata moderno 1. Este artigo visa estender essa noção, argumentando que o liberalismo é uma ideia que deve ser ativa, universal e externamente afirmada, entre, dentre e através de comunidades, culturas e fronteiras. Um certo neo-orientalismo se apoderou de nós, em parte em reação ao militarismo fracassado dos anos neoconservadores, mas principalmente atribuível a atitudes históricas de autocrítica em relação ao Império Britânico. Esse neo-orientalismo interpreta o liberalismo como uma construção ocidental que não se ajusta às culturas não-ocidentais. Liberais que lutam e discordam em contextos de comunidades minoritárias descobrem que não têm maior inimigo do que esses neo-orientalistas que dão crédito à ideia de que eles são de alguma forma uma expressão inautêntica de sua cultura “nativa”. Essa visão, embora abrace o relativismo moral, reduz outras culturas a clichês preguiçosos, romantizados e estáticos.

Há uma grande traição às minorias - dentro das minorias correntes. O preço dessa traição na Grã-Bretanha moderna são os guetos monoculturais que sufocam as oportunidades das minorias aquiescendo ao silenciamento de vozes inovadoras, em nome dessa suposta autenticidade cultural. Somente pela reafirmação universal da liberdade de expressão essas vozes silenciosas terão alguma chance de serem ouvidas. A liberdade de expressão não é um ideal “ocidental”, mas humano.

Globalização e identidade

A rápida globalização ajudou a erodir a identidade nacional. Incentivados por inovações em viagens e comunicações internacionais, testemunhamos, em vez disso, o surgimento de identidades transnacionais laterais que ultrapassam as fronteiras, e não dentro delas, para encontrar afinidade. Consequentemente, bolsões de paroquialismos anteriormente isolados estão se conectando, proporcionando uma sensação de pertencimento a causas globais além das fronteiras geográficas.

Um medo comum é que viver em sociedades multiétnicas e multirreligiosas leve à desintegração da própria cultura. Alguns, especialmente aqueles de comunidades minoritárias, sentem a necessidade de se proteger contra essa ameaça apegando-se ardentemente a, e exagerando, uma forma estreita de sua identidade étnica ou religiosa. As ‘diferenças culturais’ são, portanto, enfatizadas e isoladas mais do que seriam de outra forma.

Claro que é possível fazer isso de maneira saudável, e muitos fazem. Mas algumas inseguranças culturais modernas se distorceram para formar um amplo sentimento anti-establishment na Grã-Bretanha. A vitimização é usada como meio para criar uma sensação de assédio, levando a formações de identidades altamente excludentes. Pode-se dizer que o surgimento de políticas de identidade e tendências ideológicas religiosas ou políticas reacionárias em toda a Europa foram inspiradas por esse medo de perder a identidade e o senso de pertencimento por meio da globalização. 

Geralmente é o caso que aqueles que são mais veementemente contra o status quo são os mais ativos no proselitismo, e assim aconteceu que são os extremos políticos - extrema direita, anarquista e islamita - que melhor exploraram essa capacidade de construir identidades excludentes e transnacionais. Aqui, pode-se dizer que a globalização “acentuou as diferenças e aumentou os confrontos culturais” 2 na Europa, em vez de criar caldeirões integrados e multiculturais.

Relatividade cultural

Em resposta à tensão criada pelo aumento das tendências políticas reacionárias, a sociedade liberal, compreensivelmente, se inclinou a reduzir o risco de conflito. Palavras, imagens e ações que poderiam ser consideradas ofensivas por certos setores de uma comunidade, especialmente uma comunidade religiosa, são subsequentemente evitadas por nós, apreensivos, preocupados que tais ações possam criar uma reação indesejada. Em essência, tabus prejudiciais que idealmente precisam ser quebrados são simplesmente mais arraigados. Em alguns casos, esses tabus são ativa e tragicamente impostos sob o pretexto de defender a diversidade.

No que agora seria considerado uma medida absurda - e felizmente ilegal -, em 1993, o bairro londrino de Brent propôs uma moção para tornar a mutilação genital feminina (MGF) legal. A moção pedia que a MGF fosse classificada como um “direito específico para as famílias africanas que desejam manter sua tradição enquanto vivem neste país”. Ann John, uma vereadora local de Brent na época, se opôs com sucesso a esta moção e apresentou sua própria emenda na qual ela chamou a MGF de “bárbara” e disse que “não era uma tradição cultural mais válida do que o canibalismo”. Mas isso foi na década de 1990, a década de guetização monocultural patrocinada pelo estado, infelizmente chamada de multiculturalismo. Posteriormente, por sua heresia, Ann sofreu uma série de abusos e ameaças. Ela foi chamada de “missionária colonialista” que “pensa que sabe o que é melhor para os africanos” e até mesmo ameaçada de mutilação. Demorou até 2014 para o Conselho de Brent finalmente ensinar a prevenção da MGF em todas as suas escolas. No entanto, de acordo com estatísticas citadas pelo Departamento de Desenvolvimento Internacional do governo (DfID), mais de 20.000 meninas com menos de 15 anos ainda correm o risco de sofrer MGF no Reino Unido todos os anos .

No momento em que este artigo foi escrito, a Grã-Bretanha ainda não testemunhou uma condenação bem-sucedida por essa prática repreensível. Ann John tem uma explicação para isso. Entrevistada em 2014, ela “acredita que o modo como foi tratada assustou outras pessoas, impedindo-as de falarem contra a MGF por anos, por medo de serem chamadas de racistas” 4.

Tal como acontece com a homofobia, a guerra cultural contra a MGF está sendo vencida lentamente na Grã-Bretanha. Mas o fato de muitos ainda se sentirem incapazes de fazer julgamentos negativos sobre outras práticas, encontradas em culturas alternativas e na nossa, é profundamente problemático. Nós, liberais, seremos corretamente julgados pela extensão de nossa preocupação com os mais fracos entre nós. Na Grã-Bretanha de hoje, os mais fracos entre nós são frequentemente considerados comunidades minoritárias. Na verdade, os mais fracos são aquelas minorias dentro das minorias para as quais o direito legal de sair das restrições de suas comunidades nada vale diante da aplicação da vergonha cultural e religiosa. Os mais vulneráveis ​​incluem seitas religiosas dissidentes, feministas, LGBT e apóstatas, todos os quais questionam o dogma prevalecente dentro de sua identidade de grupo. O liberalismo, neste caso, tem o dever de apoiar sem hesitação o indivíduo dissidente sobre o grupo, o herege sobre o ortodoxo, a inovação sobre a estagnação e a liberdade de expressão sobre a ofensa. Ou, como diria John Maynard Keynes, “parecer pouco ortodoxo, problemático, perigoso, desobediente àqueles que nos geraram” 5.

Em vez disso, o que costuma acontecer é que o pensamento prevalecente neo-orientalista ou tende a permanecer em silêncio ou a criticar aqueles que procuram desafiar o dogma, por ‘causar ofensa’. Uma suposição é feita aqui sobre o que é “autenticidade” em uma determinada cultura. Ações subsequentes e conselhos, políticas ou outros, são dados de maneira paternalista com base nesta suposição.

O viés de confirmação nos leva à procurar reafirmar essa suposição com os próprios ‘líderes comunitários’ que mais têm a ganhar reafirmando-a. Poucos param para perguntar por que se presume que os três milhões de muçulmanos da Grã-Bretanha, a vasta maioria dos quais não são religiosos, gostariam que o público tivessem Citizen Khan 6 e demais figuras conservadoras7 como referencial.

Essa suposição não é apenas preguiçosa, mas sugere que cada cultura é efetivamente um grupo homogêneo e estático; que os membros delas pensam da mesma maneira e ficariam todos igualmente ofendidos pela mesma coisa, nenhum dos quais pode falar como indivíduos, mas como selvagens nativos que exigiriam que os “chefes” falassem em seu nome coletivo. Se buscar unidade na política é fascismo, buscar unidade na religião é teocracia. O liberalismo valoriza a diversidade interna em ambos.

Quando essa relatividade cultural se torna a norma, elementos mais progressistas e liberais dentro de comunidades religiosas minoritárias ou grupos culturais em particular são traídos, apenas para serem cercados por todos os lados. Por meio dessa busca reducionista por “autenticidade” cultural, qualquer coisa considerada ocidental é gradualmente excluída por nossos neo-orientalistas como inautêntica, até que apenas as vozes mais conservadoras, dogmáticas e regressivas permaneçam - que são, ironicamente, um produto inteiramente da modernidade em si mesmas.

Infelizmente, essa busca por autenticidade é uma batalha que apenas fundamentalistas e fascistas podem vencer. O preconceito não é apenas generalizar uma cultura, religião ou raça pelo ódio. Aqueles que generalizam uma cultura, religião ou raça para demonstrar um amor paternalista, mais condizente com um animal de estimação, também devem ser considerados fanáticos. E apenas as forças mais regressivas têm a ganhar exagerando sua cultura, religião ou raça, seja desafiando ou obedecendo aos fanáticos. O liberalismo deve buscar o indivíduo, não o estereótipo. Porque essas abordagens reducionistas nada mais são do que um complexo de superioridade desatualizado que deveria ter morrido junto com o Império 8. Porque considerar os ‘pobres nativos’ como sendo muito primitivos para compreender o liberalismo e, subsequentemente, considerá-los e julgá-los por um padrão inferior é uma falta de expectativa.

Tomemos o exemplo da Law Society of England and Wales. No início de 2014, a Law Society, uma instituição necessariamente secular, publicou uma nota prática aconselhando sobre como redigir testamentos de acordo com a “Lei Sharia”; ocorre que não há uma única versão da Sharia, e em árabe, Sharia é um substantivo, não um adjetivo para descrever o substantivo ‘lei’. Essas diretrizes incluíam afirmações de que a “Lei Sharia” endossa deserdar apóstatas e filhos adotivos e discrimina contra as mulheres. É verdade que o direito consuetudinário inglês permite que a herança seja decidida da forma que agrada ao testador. A preocupação aqui, no entanto, é por que a Law Society se sentiu no direito não apenas de intervir em um debate intra-religioso sobre a natureza e a aplicabilidade do Islã hoje, mas, ao fazer isso, escolheu a forma mais regressiva de medievalismo e a promoveu como Islã “autêntico” 9 com isso traindo e isolando ainda mais os muçulmanos reformistas liberais desde o princípio 10.

A publicação de caricaturas no jornal dinamarquês Jyllands-Posten é um exemplo disso. Foi só quando a imprensa começou a se aproximar de certos ‘líderes comunitários’ que uma resposta irada se tornou aparente, especialmente porque apenas imãs religiosos foram abordados11.

Da mesma forma, eu recentemente tuitei uma figura de palito inócua, não desenhada por mim, de uma imagem chamada ‘Mo’ dizendo “Oi” para uma imagem chamada ‘Jesus’. A imagem chamada ‘Jesus’ respondeu: “Como vai?”. Fiz isso porque, como muçulmano, senti que era necessário deixar claro que não fiquei ofendido por um desenho animado benigno à luz dos retratos da mídia de todos os muçulmanos como excessivamente sensíveis. Fiz isso na sequência de um debate ao vivo na TV sobre o assunto. Ironicamente, e embora eu discorde veementemente do véu, minha intervenção veio no contexto de uma tentativa de defender os direitos de uma mulher muçulmana com véu que acabara de saber que seu véu “ofende” as pessoas. Depois de afirmar seu próprio direito de usar o que ela gosta, esta senhora respondeu a um homem ao lado dela que ele, entretanto, não poderia usar sua camiseta com o boneco descrito acima rotulado ‘Mo’, porque isso a ofende. Minha resposta foi que as pessoas são livres para se ofender com a maneira como eu me visto, mas não são livres para insistir que eu me vista de uma maneira que não as ofenda. Este princípio se aplica a todos, de forma justa. Eu então retuítei que não estava ofendido por este boneco rotulado ‘Mo’. A blasfêmia está nos olhos de quem vê. Subsequentemente, fui inundado por uma torrente de abusos e ameaças violentas por parte de alguns muçulmanos vocais, mas reacionários. Mais revelador foi o castigo de muitos neo-orientalistas não muçulmanos que me acusaram de ser insensível aos “sentimentos muçulmanos”, como se eu mesmo não fosse um desses muçulmanos com alguns “sentimentos” que precisava expressar.  

E então vieram os ataques ao Charlie Hebdo em Paris.

Pegar o caminho mais fácil, condenando o radical por causar problemas desnecessários, é irresistivelmente tentador e incrivelmente preguiçoso. Os liberais veriam instintivamente as dores do parto do progresso por meio dessa heresia. O relativismo cultural criou uma situação absurda em que as minorias dentro das minorias não são mais livres para impulsionar os debates intraculturais. Lembro-me de uma vez, quando criança, que um transeunte se aproximou de um casal gay na rua e disse-lhes para não darem as mãos em público, perguntando ao casal “você está deliberadamente tentando nos ofender?” Eu encerro meu caso.

A minoria inconveniente

E assim, esse grande eixo da liberdade, a liberdade de expressão, conforme definido pelo Artigo 19 da DUDH (Declaração Universal dos Diretos Humanos)12, está sendo corroído por identidades de grupo excludentes. Esses grupos lutam para competir sobre quem é mais ofendido e quem tem mais direitos. Espera-se agora que a sociedade civil se autocensure e que o termo ‘tolerância’, conforme explicado por Flemming Rose, ‘não é mais sobre a capacidade de tolerar coisas para as quais não nos importamos, mas mais sobre a capacidade de ficar quieto e evitar dizer coisas que outros podem não se importar em ouvir‘ 13.

Isso me leva ao termo ‘islamofobia’, frequentemente empregado - mesmo contra outros muçulmanos - como um escudo contra qualquer crítica e como uma focinheira contra a liberdade de expressão. Se a heresia é para ser celebrada, segue-se que nenhuma ideia, não importa quão “profundamente arraigada”, receba um status especial. Pois sempre haverá uma crença igualmente “profundamente arraigada” em oposição a ela. O ódio motivado especificamente para atingir os muçulmanos, pessoas como eu, deve ser condenado.

Mas confundir esse ódio com satirizar, questionar, pesquisar, reformar, contextualizar ou historicizar o Islã, ou qualquer outra fé ou dogma, é o mesmo que voltar à Inquisição de Galileu. Segue-se, portanto, que qualquer liberal naturalmente preocupado com uma sociedade justa deve ser o primeiro a se defender abertamente contra a erosão da liberdade de expressão, especialmente quando feita de maneira enganosa em nome dos direitos das minorias.

Em meio a uma onda de insegurança, as leis de blasfêmia, embora formalmente abolidas no Reino Unido, estão efetivamente sendo revividas por um clima cultural que pretende ser liberal, mas mantém o iliberalismo. Em última análise, as restrições à liberdade de expressão alcançam apenas uma coisa - o domínio dos ideais regressivos. Os reacionários são os primeiros a se ofender e os primeiros a exigir uma ação punitiva contra aqueles que consideram ofensivos. Desta forma, fortalecemos ativamente o dogma iliberal em nome da ‘diversidade’, enquanto abandonamos ativistas vulneráveis ​​dentro das minorias em nome do ‘respeito pela diferença’.

A reticência neo-orientalista é em parte impulsionada pela preocupação genuína contra uma reação racista contra as comunidades minoritárias por fanáticos de direita. A Grã-Bretanha se tornou um lugar onde racistas brancos e fundamentalistas cristãos se aliam à direita em questões internas, enquanto islâmicos e fundamentalistas muçulmanos se aliam à esquerda em questões de política externa. Ambos os grupos são capazes de cooptar a retórica política de cada ala política para alimentar sua narrativa de vitimização. Ambos são capazes de intimidar o ‘outro’. Embora esse medo do racismo seja genuíno - eu pessoalmente tive que suportar ser violentamente alvo de racistas por um período prolongado - ignorar o extremismo islâmico em nome do respeito pela diferença apenas alimentará mais o racismo ao alimentar a narrativa de vitimização da extrema direita. Ambos os extremos estão em perfeita simbiose, alimentando-se uns dos outros para justificar suas respectivas queixas. Mas a diferença entre justiça e tribalismo é a diferença entre escolher princípios e escolher lados. Somente uma tocha liberal pode brilhar consistentemente através da névoa da extrema direita e dos extremismos islâmicos e se afirmar com qualquer nível de consistência.

George Orwell disse: “A questão é que a liberdade relativa de que desfrutamos depende da opinião pública. A lei não é proteção. Os governos fazem as leis, mas se elas são cumpridas e como a polícia se comporta depende do temperamento geral do país. Se um grande número de pessoas estiver interessado na liberdade de expressão, haverá liberdade de expressão, mesmo que a lei a proíba; se a opinião pública for lenta, as minorias inconvenientes serão perseguidas, mesmo que existam leis para protegê-las…”. À admirável preocupação de Orwell com as minorias inconvenientes, eu acrescentaria apenas uma ideia: o custo de trair o direito das pessoas à heresia é que as minorias inconvenientes - dentro das minorias - são, de fato, as primeiras a serem perseguidas.

Tradução e introdução por Felipe Prestes Batista.

Este texto é um trecho do original que você pode ler aqui.

Notas:

1. David Laws e Paul Marshall (orgs), ‘The Orange Book: Reclaiming Liberalism’, Londres, 2004

2. Erika Harris, Nationalism: Theories and Cases, Edimburgo, 2009

3. Improving the Lives of Girls and Women in the World’s Poorest Countries, DfID

4. Evening Standard, ‘Ann John: I was branded a colonialist for fighting against ‘barbaric’ FGM‘, Anna Davis, 28 March 2014.

5. John Maynard Keyes, ‘Am I a Liberal?’, Liberal Summer School, 1 de agosto de 1925

6. Citizen Khan , sitcom da BBC One, escrito e interpretado por Adil Ray

7. Ver Amartya Sen: ‘Identidade e Violência’ Allen Lane, Londres 2006

8. Para leitura adicional, veja Edward W. Said, ‘Orientalismo’, 1978

9. Ver a Law Society, Sharia succession rules, 13th March 2014 and a response by the Lawyers Secular Society (LSS) ‘The Law Society should stay out of the theology business

10. Somente depois de algumas louváveis ​​campanhas, não apenas da Lawyer’s Secular Society e One Law for All, entre outras, é que a Law Society finalmente - e discretamente - abandonou esta nota prática.

11. Ver Enemies of free speech de Kenan Malik, Index on Censorship, vol. 41, No. 1, 2012.

12. O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que ‘Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de buscar, receber e transmitir informações e ideias por qualquer meio e independentemente de fronteiras’ 

13. Flemming Rose, editor cultural do jornal dinamarquês JyllandsPosten, no ensaio Enemies of free speech de Kenan Malik, Index on Censorship, vol. 41, No. 1, 2012. 

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