Procure no site:

abril 24, 2021

A Regularização Fundiária Urbana é o conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam corrigir e adequar construções e núcleos irregulares aos termos da legislação urbana, como o plano diretor municipal, além de conferir o título de propriedade aos ocupantes do local.  Viabiliza-se, com isso, a melhoria nas habitações e estabelecimentos comerciais, instalação de infraestrutura e serviços básicos. Nesse contexto, os impactos ambientais causados são controlados e mitigados, permitindo o desenvolvimento urbano sustentável.

Esse procedimento é indispensável para o desenvolvimento econômico e social das cidades, as quais abrigam, atualmente, mais de 84% dos brasileiros. Apesar de tamanha relevância, a Regularização Fundiária Urbana tem um espaço ínfimo no debate público do país e uma legislação extremamente deficiente. Sendo assim, urge a maior participação e engajamento da sociedade civil nessa questão, pois as consequências atingem frontalmente todos os cidadãos, principalmente o expressivo número de possuidores de imóveis em situação irregular. As políticas públicas, em geral, têm demonstrado pouco ou nenhum êxito na garantia de moradias dignas e desenvolvimento sustentável das cidades, seja na esfera municipal, que atua diretamente nos locais, ou federal, com o último programa habitacional Programa Minha Casa Minha Vida.

Estima-se que cerca de metade dos domicílios brasileiros possuem algum tipo de irregularidade, o que corresponderia a 30 milhões de unidades. Estas propriedades apresentam problemas variados e níveis distintos de gravidade, sendo os mais comuns, a ausência de aprovação e registro dos projetos, ocupação irregular de loteamentos e a venda ilegal de terrenos, sendo os dois últimos consequências mais severas aos moradores que a primeira. Não se restringe à uma classe econômica específica, tem-se casos como estes em todos os extratos da sociedade, mas, por óbvio, os menos abastados financeiramente são muito mais prejudicados, razão pela qual o presente texto versa especialmente sobre essa realidade.

Os “aglomerados subnormais”, nome técnico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), para, dentre outros, favelas e ocupações com mínimo de 51 habitações são os locais onde se encontram as piores condições urbanas, econômicas e sociais. Atualmente, existem mais de cinco milhões de moradias nesses aglomerados e, apesar de serem mais exemplificados por grandes comunidades do Rio de Janeiro ou São Paulo, cidades na Região Norte, como o município de Vitória do Jari, no Amapá, tem em torno de 74% dos domicílios nessa situação. O engajamento da sociedade civil em prol da melhoria nesse cenário é urgente.

A proporção extremamente elevada de domicílios, e, consequentemente, núcleos informais, causa efeitos devastadores. Os moradores e donos de estabelecimentos nessas situações, em grande medida, não conseguem obter crédito no mercado formal, têm péssimas condições de infraestrutura e serviços básicos precários, condições indispensáveis para o desenvolvimento urbano e redução das desigualdades. Destaca-se que construções à margem da lei não observam questões urbanísticas e ambientais de extrema relevância, ensejando um crescimento insustentável das cidades. Além disso, é comum que os indivíduos acima mencionados sejam vítimas de milícias ou estelionatários que invadem e ocupam territórios e, através da grilagem, vendem as terras sem obedecer quaisquer requisitos formais e sem nenhuma garantia legal. Em muitos casos, esses grupos consolidam seu poder na região criando “leis” e determinações para os cidadãos que moram em “suas” áreas. Essas características inviabilizam investimentos privados devido à ausência completa de segurança jurídica.

Ademais, em razão da inexistência de informações confiáveis sobre os núcleos informais, o poder público enfrenta uma enorme dificuldade ou impossibilidade de cobrar tributos e oferecer determinados serviços, como saneamento, coleta de lixo e segurança pública.

Outro ponto de extrema importância do procedimento regulatório é o fato de que ao adequar os núcleos já existentes, inverte-se a lógica segregacionista do Minha Casa Minha Vida e outros programas habitacionais. Nestes há a remoção dos indivíduos da parte central das cidades para locais remotos. Segundo o IBGE, dois terços das favelas do país estão a menos de dois quilômetros de hospitais, em regiões com uma oferta muito maior de serviços, infraestrutura e empregos. Desta forma, contribui-se para o adensamento das cidades, redução de distâncias e desenvolvimento sustentável e, principalmente, um aumento considerável na renda e qualidade de vida dos moradores.

Os marcos legais da Regularização Fundiária passaram por diversas alterações desde a promulgação da Constituição Federal e, até então, se observa uma ineficiência completa da legislação em alcançar seu escopo. A legislação vigente, Lei 13.465/17, ainda muito recente para uma avaliação mais profunda, buscou desburocratizar e tornar mais flexível o procedimento, pois os diversos empecilhos, como a própria complexidade da lei, são impeditivos para indivíduos economicamente desfavorecidos que não podem contar com uma ajuda técnica. Em geral, somente pessoas com mais recursos financeiros têm seus imóveis em situação regular no país. Observe-se também a oferta extremamente precária, muitas vezes inexistente, de imóveis para classes D e E, apesar do desejo destas em adquirir imóveis próprios.

Por fim, toda essa situação é agravada por conta de uma questão cultural. O brasileiro, historicamente, não possui uma cultura de se associar livremente para obtenção de um fim comum. Nota-se isso através da enorme preocupação do Constituinte de 1988 em fortalecer instrumentos associativos, como sindicatos e partidos políticos, justamente para tentar suprir a lacuna. Essa característica dificulta o engajamento da sociedade civil para reivindicar providências, contribuir efetivamente nas políticas e se defender de abusos estatais. Para ilustrar melhor o poder do associativismo, a National Trust, atualmente a maior associação civil do mundo com seis milhões de associados e faturamento anual de mais de seiscentas milhões de libras, foi fundada na Inglaterra por reformadores sociais no século XIX. Nasceu com o intuito de melhorar as condições de vida e estéticas das poluídas cidades inglesas da época, valendo-se exclusivamente da colaboração voluntária de indivíduos e entes privados. Obtiveram, desde o início, um enorme êxito na melhoria dos centros urbanos e conservação ambiental, razão pela qual ela não só perdura até os tempos atuais, como exerce um trabalho gigantesco de preservação do patrimônio natural e histórico do país.

One comment on “A Regularização Fundiária Urbana no Brasil: o desafio atual”

Deixe seu comentário. Faça parte do debate