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março 29, 2021

A resposta rápida é que, nas últimas décadas:

  1. A desigualdade entre países ricos e pobres está diminuindo.
  2. A desigualdade entre indivíduos nos países mais pobres está caindo.
  3. A desigualdade entre indivíduos nos países mais ricos está aumentando.
  4. A desigualdade entre indivíduos no mundo todo está caindo.

Neste artigo, apresentaremos os dados que detalham o que acabamos de afirmar.

Contudo, antes de prosseguirmos, se pergunte: quantos textos você já não leu que simplesmente afirmavam, sem embasamento em quaisquer dados, alguma coisa contrária do que está colocado acima?

Quantos comentários na internet você já não leu que simplesmente partiam do “dado” de que o capitalismo gera desigualdade ou de que o mundo está cada vez mais desigual? Para não poupar a direita, quantas vezes você já não viu ignorado o problema da crescente desigualdade nos países do primeiro mundo?

Sendo a evolução da igualdade ou desigualdade questão tão central nos embates entre esquerda e direita, entendemos que ela não pode continuar sendo tratada com tanta verborragia sem olharmos os dados para que eles possam dizer, afinal, o que está acontecendo.

De 1820 a 2011

Acima fizemos menção às últimas décadas, que é o que mais importa para sabermos se estamos no rumo correto. Porém, vale a pena considerarmos um período mais amplo para entender o que ocorreu com a desigualdade no mundo e até mesmo para ajudar a entender por qual motivo algumas concepções equivocadas se mantém até hoje.

A seguir reproduzimos os dados apresentados por Posner e Weyl, que abrange os anos de 1820 até 2011:

Desigualdade internacional: desigualdade entre países.

Desigualdade intranacional: desigualdade entre indivíduos de um mesmo país.

Desigualdade global: desigualdade entre todos os indivíduos no mundo.

Em 1820, onde mal podíamos sentir os efeitos da revolução industrial a desigualdade internacional, ou seja, entre países ricos e pobres, era de apenas ínfimos 7%. Contudo, em 1980 ela aumentou para 70%, valor impressionante. Porém, essa desigualdade já retraiu para cerca de 50% em 2011, colaborando com a hipótese de que os países mais pobres alcançarão os mais ricos (também conhecido como o processo de catch-up).

Quando observamos a desigualdade intranacional quer dizer, a diferença entre ricos e pobres de um mesmo país, temos o seguinte: 35% em 1820 e 38% pouco antes da primeira guerra mundial, sendo esse o pico da desigualdade. Desde então ela foi caindo progressivamente, chegando a 27% na década de 70 e 24% em 2011.

Aqui já temos uma informação interessante: se por um lado a queda da desigualdade entre os países é mais recente, a queda da desigualdade entre indivíduos de um mesmo país (a desigualdade intranacional) vem em declínio contínuo desde a Primeira Guerra Mundial. Por outro lado, é uma queda bem mais vagarosa, o que a torna menos impressionante.

Outra conclusão importante que os autores extraem desses dados é que a desigualdade entre países era relativamente insignificante para a desigualdade global (ou seja, a desigualdade entre todos os indivíduos do mundo) em 1820, explicando pouco mais de 10% dela. Depois, a desigualdade entre países se tornou a fonte principal da desigualdade entre indivíduos, explicando cerca de dois terços dela por volta da metade do século passado. Mesmo hoje, apesar da diminuição recente da desigualdade entre países, ela pode ser considerada responsável por cerca de 60% da desigualdade entre indivíduos, segundo os autores.

Hans Rosling, renomado demógrafo talvez mais conhecido por suas divertidas palestras, entende que parte do equívoco de que o mundo estaria “cada vez mais desigual” se deve ao fato de que as pessoas ainda têm uma informação desatualizada em mente, mais próxima aos dados da década 70. O motivo disso? Podemos especular muitos: ideologia? Livros didáticos desatualizados? Falar que as coisas estão sempre piorando chama mais a atenção? Já debatemos um pouco sobre essas possíveis explicações neste outro artigo e por isso não iremos nos estender aqui.

A desigualdade nos países pobres

Mesmo o conceito de país rico e país pobre é uma generalização que possui diversos problemas. Rosling, por exemplo, prefere categorizar o mundo em 4 estágios de desenvolvimento. Outra perspectiva interessante é agrupar os países em continentes ou grandes regiões, com similaridade suficiente para fazer algumas generalizações, como fez o site OurWorldInData. Usaremos os dados desse site, que já se tornou uma referência mundial em análises de dados.

No gráfico, podemos ver que a América Latina é o continente com maior desigualdade entre indivíduos do mundo. Depois temos a África Subsaariana e então uma região que eles denominam de Ásia Oriental e Pacífico (no Brasil costumamos usar mais a expressão Leste Asiático que Ásia Oriental).

Apesar de alta, os autores destacam que a desigualdade na América Latina caiu nas últimas duas décadas. O gráfico demonstra queda na desigualdade das demais regiões, com exceção da região denominada “Oriente Médio e Norte da África”.

Vemos assim que há uma tendência de queda gradual na desigualdade nos países mais pobres.

Observe que esses dados não dizem nada a respeito dos anos recentes, fortemente impactados pela pandemia, e por isso seus efeitos a longo prazo ainda são uma incógnita.

Ok, a desigualdade na América Latina como um todo está caindo mas e no Brasil?

De fato, diversos dados apontavam que a desigualdade no Brasil estava em queda, acompanhando o resto do movimento latino americano. Contudo, cabe mencionar que o livro "Uma história de Desigualdade", de Pedro H.G. Ferreira de Souza, coloca essa constatação em xeque.

As implicações para o debate político desses dados são muitas (a tão propalada queda na desigualdade durante os governos petistas, por exemplo, não parece confirmada pelos dados). De todo modo, nosso objetivo aqui não é esmiuçar essas implicações. Nos limitamos a fazer a observação de que o autor defende a ideia de que a dinâmica da desigualdade brasileira parece razoavelmente independente do que ocorre no resto do mundo, sendo muito melhor explicada por nossa política interna.

A desigualdade nos países ricos

Dado que a desigualdade entre os indivíduos nos países mais pobres está caindo e eles são maioria da população, é claro que a desigualdade total entre todos indivíduos do mundo está também em queda, independente do que esteja acontecendo nos países mais ricos do mundo.

Contudo, parece valer a pena, para elucidar os embates políticos atuais, analisar isoladamente a evolução da desigualdade entre indivíduos nos países ricos.

Para falar da desigualdade nos países ricos consultamos novamente o site Our World In Data.

Considere o caso dos Estados Unidos, no painel esquerdo. Antes da Segunda Guerra Mundial, até 18% de toda a renda recebida pelos americanos ia para o 1% mais rico. Depois desse ponto, e até o início dos anos 1980, a participação do 1% do topo caiu substancialmente (primeiro rapidamente e depois mais lentamente nos anos 1970). Após a década de 1980, a desigualdade nos EUA começou a aumentar e, finalmente, voltou ao nível do período anterior à guerra. Vemos que essa tendência de longo prazo em forma de U das principais participações de renda não é exclusiva dos EUA. Na verdade, o desenvolvimento em outros países de língua inglesa, também mostrado no painel esquerdo, segue o mesmo padrão. No entanto, seria errado pensar que o aumento da desigualdade de renda nas camadas mais altas é um fenômeno universal. No painel direito, vemos que em países europeus igualmente ricos, assim como no Japão, o desenvolvimento é de fato bem diferente”.

Uma lição que podemos tirar é que as forças políticas em ação em nível nacional são provavelmente importantes para a distribuição de renda. Uma tendência universal de aumento da desigualdade estaria de acordo com a noção de que esta é determinada pelas forças do mercado global e pelo progresso tecnológico. Contudo, a realidade das diferentes tendências de desigualdade dentro dos países sugere que as estruturas institucionais e políticas em diferentes países também desempenham um papel na definição da desigualdade de renda e que o aumento da desigualdade provavelmente não é inevitável”.

Vemos assim que há uma tendência de aumento da desigualdade em vários dos países mais ricos (no gráfico: EUA, Canada, Reino Unido, Irlanda, Austrália) e que essa tendência pode estar sendo impulsionada pelas forças do mercado (pelo capitalismo, pelo livre-mercado ou mesmo pelo neoliberalismo, se preferirem usar as definições de esquerda para o problema).

Contudo, cabe a cada país decidir se desejam minimizar ou mesmo frear essa tendência e assim tomar as medidas distributivas capazes de fazê-lo. É o que parece ter sido feito pelos países do gráfico a direita (França, Japão, Espanha, Holanda e Dinamarca). Ou seja, esse aumento da desigualdade entre indivíduos dos países mais ricos está longe de ser generalizada e portanto longe de ser inevitável.

Por fim, também devemos considerar que a tendência de aumento na desigualdade nos países mais ricos parece estar relacionada a abertura do mercado de trabalho para a competição internacional. Essa abertura está entre as principais hipóteses para o aumento de rendimentos dos trabalhadores dos países mais pobres e a redução da pobreza nestes países.

Em resumo

Apresentamos 4 métricas aqui:

  1. A desigualdade entre países ricos e pobres, e vimos que ela está diminuindo.
  2. A desigualdade entre indivíduos nos países mais pobres, e vimos que ela está caindo.
  3. A desigualdade entre indivíduos nos países mais ricos, e vimos que ela está aumentando, ainda que não em todos eles.
  4. A desigualdade entre indivíduos no mundo todo, e vimos que ela está caindo.

Particularmente, entendo que a métrica 4, a desigualdade entre indivíduos no mundo todo, é a que mais importa. É ela que diz se os mais pobres do mundo estão prosperando em velocidade significativa o suficiente para um dia alcançar o padrão de vida dos países mais ricos. Nesse sentido, o otimismo parece justificado.

Em segundo lugar em termos de importância, diria que temos a métrica 2, a desigualdade entre indivíduos nos países mais pobres. Ela que nos diz se as velhas barreiras internas impostas por ditadores e elites corruptas estão sendo derrubadas em cada um dos países. Ainda que o resultado seja animador, vale a ressalva de que nem todos os países estão tendo sucesso aqui (o Brasil não está!) e portanto podemos ter um otimismo moderado.

Em terceiro lugar de importância teríamos a métrica 1, a desigualdade entre países ricos e pobres. A princípio não devemos nenhuma consideração moral a países, que são apenas entidades abstratas, que não podem sofrer ou serem felizes. Contudo, vimos o quanto essa métrica foi significativa para determinar a desigualdade da métrica 4, não apenas no passado como também ainda hoje. Aqui, novamente, temos motivo para bastante otimismo, dado a rápida tendência de “equalização” entre países. O que talvez deva servir de ressalva para nosso otimismo seriam as implicações políticas dessa equalização, principalmente se elas não vierem acompanhadas da democratização e respeito aos direitos humanos pelos países que estão crescendo economicamente. Contudo, isso abriria todo um outro tópico de debate que não cabe aqui.

Em quarto e último lugar, colocaria a métrica da desigualdade entre indivíduos nos países mais ricos. Vimos que essa é a única que está indo numa direção perigosa, aumentando ao invés de diminuir. Não digo que essa não seja uma questão irrelevante: não penso que os mais pobres em países como Estados Unidos ou Europa não sejam dignos de nenhuma consideração moral quanto às suas dificuldades econômicas. Ademais, trata-se de um problema razoavelmente complexo e eventuais decisões tomadas no sentido de reverter essa tendência poderão ter impacto duradouro na política destes países e mesmo implicações globais. Ainda assim, me parece ser esse “dos males o menor” quando pensamos no número de pessoas envolvidas e o relativo bem-estar que elas usufruem por viverem em um país desenvolvido, desde a maior disponibilidade de serviços públicos de qualidade até a abundância de bens e serviços a preços mais acessíveis.

Por fim, como vimos nos dados, nem todos países desenvolvidos seguem essa tendência, o que parece colaborar a ideia de que está totalmente dentro da capacidade destes países frearem ou reverterem a tendência de aumento da desigualdade.

Talvez isso seja inclusive a oportunidade de testar ideias mais ousadas. Levantemos aqui algumas políticas que nós, neoliberais, acreditamos que valem a pena ser testadas visando reduzir a desigualdade, e não apenas nos países mais ricos: uma renda básica universal, cidades mais densas e verticalizadas, uma saúde acessível a todos e a criação de instituições inclusivas que combatam a discriminação.

Fontes:

POSNER, Eric A. e WEYL, E. Glen. Mercados Radicais. Reinventando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa. 2019.

ROSER, Max e ORTIZ-OPSINA Esteban. Income Inequality. Our World In Data. Disponível aqui.

SOUZA, Pedro H. G. Ferreira. Uma história de Desigualdade: a concentração de renda entre os ricos no Brasil (1926-2013). 2018.

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