Alexander Rüstow definiu o conceito de neoliberalismo em 1932: Prioridade para o sistema de preços, o livre mercado, a livre iniciativa, e um Estado forte e imparcial, com intervenção social. Muito diferente dos espantalhos por aí.
Vemos muitos citando o termo neoliberalismo, quase que invariavelmente de forma pejorativa, mas percebe-se que os usuários desta palavra por vezes sequer sabem do que se trata, desconhecem seus conceitos e histórico, mas gostam de usá-lo como espantalho nas suas composições de cunho político-ideológico.
A este respeito eu concordo com a opinião do economista britânico Will Nicolas Hutton, de viés esquerdista, keynesiano, e crítico do neoliberalismo (o que foi considerado por intelectuais renomados, e não as invencionices que vemos por aqui) de que isso depõe contra quem faz mal-uso do termo, e que assim apenas contribui negativamente no debate. Leia aqui o artigo.
Esse comportamento é tão tosco quanto chamar qualquer movimento progressista, ou de interesse da sociedade, de socialismo ou comunismo. Em outras palavras, os que acham que mostram conhecimentos usando espantalhos, na verdade só estão passando vergonha.
E isso não é exclusividade dos textos de redes sociais. A falta de uso de uma definição universal e ratificada do tal neoliberalismo também ocorre nos meios acadêmicos, e lá também se observa que os estudiosos não apenas tendem a atribuir uma valência normativa negativa ao neoliberalismo, mas eles também frequentemente não definem o termo ao usá-lo em pesquisas.
Nesta análise de conteúdo de artigos com a definição de neoliberalismo, foram verificadas autoconsciência das definições como "por neoliberalismo, quero dizer ...", mas também aquelas que ofereciam apenas implícitas “definições de passagem”, nas quais um autor aplicou o rótulo neoliberal a fenômenos empíricos específicos sem explicar o porquê. E tem piorado, pois entre 1990 e 1997, aproximadamente 63% dos artigos não forneceram nenhuma definição; entre 1998 e 2001, 69% não ofereceram definição; e de 2002 a 2004, 76% deixaram o neoliberalismo indefinido. É o espantalho perfeito.
Neoliberalismo - a origem
Alexander Rüstow foi um economista e sociólogo alemão, e é considerado o criador do termo neoliberalismo, em função dele ter primeiramente citado-o no Colóquio Walter Lippmann, uma conferência de intelectuais organizada em agosto de 1938, em Paris, pelo filósofo francês Louis Rougier, após o declínio do interesse pelo liberalismo clássico, com o objetivo de construir um novo liberalismo como uma rejeição ao coletivismo, ao socialismo e ao liberalismo do laissez-faire. Para Rüstow, o neoliberalismo seria uma rejeição àqueles ideários, e a formulação de um novo. Ele foi um defensor do retorno do liberalismo à Alemanha, pelo fim do modelo econômico nazista, e chamou de neoliberalismo porque seria um novo liberalismo alemão. Das ideias dele surgiram obras fundamentais para o ordoliberalismo alemão, e foi um dos pais da economia social de mercado (ESM), que moldou a economia da Alemanha Ocidental no pós-guerra (o "Milagre do Reno"). E tudo começou com a ideia de retomar com as ideias liberais na Alemanha, o que ele mesmo chamou de neoliberalismo. (Leia mais - texto em alemão).
Porém, o ano em que Rüstow formulou o programa neoliberal pela primeira vez foi em 1932. A principal associação econômica da Alemanha, a Verein für Socialpolitik, o convidou para sua conferência anual em Dresden. O presidente de Verein era Werner Sombart, o líder dos Kathedersozialisten (socialistas católicos) da Escola Histórica de economia. Sombart era um defensor do nacional-socialismo e não tinha qualquer simpatia pelo liberalismo. Porém, o pouco conhecido Rüstow fez o discurso mais comentado na conferência, que mais tarde foi publicado e republicado várias vezes. É considerado o documento fundador do neoliberalismo. O discurso foi intitulado "Freie Wirtschaft, Starker Staat" (Economia Livre, Estado Forte), e nessas quatro palavras já nota-se quais as principais ideias de Rüstow, que responsabilizou o intervencionismo excessivo pela crise. Ele também alertou para sobrecarregar o Estado com a tarefa de corrigir todos os tipos de problemas econômicos. Seu discurso foi a clara rejeição de um Estado que se envolve com processos econômicos. Rüstow queria ver um estado que estabelecesse as regras para o comportamento dos agentes econômico e sua fiscalização — através de um sistema jurídico bem estruturado. Um papel limitado e muito bem definido para o Estado, mas que exige um estado forte. Além dessa tarefa o Estado deve abster-se de se envolver demais nos mercados. Isso significava um claro "não" ao protecionismo, subsídios, cartéis, ou o que hoje chamamos de capitalismo de compadrio, captura regulatória, ou corporativismo. No entanto, Rüstow também viu um papel para um intervencionismo limitado, desde que na direção das leis do mercado. (Fonte - em alemão).
O neoliberalismo de Rüstow é pouco conhecido fora do mundo de língua alemã e pouco lembrado desde os anos 1960. O neoliberalismo alemão abrange o "ordoliberalismo" econômico-legal da Escola de Freiburg e a ESM, que passou a ser associada às políticas econômicas de Ludwig Erhard, arquiteto do Wirtschaftswunder da Alemanha no pós-guerra (milagre econômico). Como explica o Dr. Hartwich, essas linhas de pensamento surgiram como uma resposta aos erros históricos da Alemanha: o antiliberalismo no final do século XIX, a cartelização durante os anos de guerra, a versão de Hitler da economia de comando que foi reforçada pelos nazistas, e a guerra. (Leia aqui o artigo "Neoliberalism: The Genesis of a Political Swearword" por Oliver Marc Hartwich).
Portanto, o ordoliberalismo alemão nada mais é do que mais uma das versões do tal neoliberalismo. A seguir damos uma definição por um acadêmico foucaultiano e crítico do neoliberalismo:
"Em linhas gerais, trata-se, no caso alemão, de elaborar um liberalismo que funcione dentro de um marco institucional e jurídico. Ele deve procurar, concomitantemente, oferecer as garantias e limitações da lei e manter a liberdade de mercado, isso sem produzir grandes distorções sociais. No ordoliberalismo, o mercado não só organiza a vida econômica, pois funciona também como uma espécie de teoria da política. No limite, governar significa governar para o mercado e a política, nesse modelo, é concebida, sobretudo, como seu ponto de fortalecimento. Além disso, o modelo alemão contesta o que considera como o superpoder do Estado e rechaça o intervencionismo econômico. Apesar disso, promove um intervencionismo de tipo social. Como explica Gros, o neoliberalismo alemão tende a definir a racionalidade do mercado como um modelo formal que possibilite resolver os problemas da sociedade em seu conjunto (GROS, 2007, p. 116-117). No que tange à forma de liberdade mais preconizada nesse Estado, explica Foucault: “O Estado recupera sua lei, recupera sua lei jurídica e recupera seu fundamento real na existência e na prática [da] liberdade econômica.” (FOUCAULT, 2008b, p. 127; 116)... Diga-se de passagem, nessa perspectiva as duas matrizes do neoliberalismo enfatizadas pelo pensador francês, a saber, o ordoliberalismo alemão e o neoliberalismo da Escola de Chicago, comungam de preceitos como: a crítica ao Estado de bem-estar social (de tipo keynesiano), a rejeição total de qualquer forma de dirigismo econômico, de planificação na economia, de intervencionismo estatal... Grosso modo, o que os ordoliberais sustentam é que as diferentes concepções político-econômicas que adotam uma maior participação da esfera estatal na sociedade, visando com isso à resolução de seus problemas, não passariam de malfadadas experiências que têm como ápice o nazismo. Nessa perspectiva, o nazismo não é outra coisa senão o desdobramento de diferentes formas de intervencionismo econômico... Em síntese, o programa proposto pela Escola de Friburgo projeta uma economia de mercado concorrencial vinculada a um intervencionismo de tipo social." (Fonte).
São momentos de crise que geralmente desencadeiam debates sobre sistemas econômicos. A crise bancária da década de 1870 mudou a Alemanha de um caminho de livre mercado para o protecionismo e intervencionismo. A Grande Depressão da década de 1930 levou ao desenvolvimento do keynesianismo. Como vimos, o fim da segunda guerra mundial e a crítica ao intervencionismo econômico do totalitarismo levou as ideias do neoliberalismo. Por fim, a crise financeira global de nossos tempos levou a uma crítica renovada da economia de mercado. Devemos ver os atuais ataques ao neoliberalismo neste mais amplo contexto histórico.
Parece ser lugar comum hoje culpar os problemas nos mercados como sendo problemas do mercado. Em uma análise mais detalhada, contudo, algumas das percebidas falhas de mercado podem muito bem ser falhas de economia política. Onde, por exemplo, pensavam que a cartelização e monopolização da economia foram o resultado de degenerada economia de mercado, a análise histórica mostra que eles foram as consequências diretas do protecionismo e intervencionismo - o que Rüstow e seus colegas neoliberais alemães justamente criticaram enfaticamente muitas décadas atrás.
Autor: Marcelo Aleixo
Revisão: Fernando Moreno
*Na foto, Michel Foucault
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Técnico em contabilidade e bacharel em economia pela FEA, com pós em controladoria pela ADIFEA, MBA em finanças corporativas pela FGV e MBA executivo internacional pela UCI. Atua como executivo em finanças, consultoria em gestão e conselho fiscal e de administração.
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