As questões envolvendo pessoas transgênero tem gerado debates acalorados nos Estados Unidos. Por um lado, você tem coisas como o Equality Act passando na Câmara dos Deputados, a congressista Elizabeth Warren lendo o nome de mulheres transgênero assassinadas em um fórum sobre questões LGBTQ e o então vice-presidente Joe Biden dizendo em 2012 que a discriminação transgênero é “A grande questão de direitos civis de nosso tempo.”
Por outro lado, você tem coisas como leis restringindo qual banheiro as pessoas trans podem usar, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos propondo uma definição de sexo de uma maneira incrivelmente equivocada, e transgêneros sendo proibidos de servir nas forças armadas. As questões transgênero tornaram-se uma nova frente nas guerras culturais.
Estas Questões são Profundamente Pessoais e Políticas
Há aproximadamente 1,4 milhão de transgêneros nos Estados Unidos, dentre os quais eu sou uma. Minha vida é profundamente impactada por estes debates e como eles se desenrolam na forma de políticas. Como tal, eu passei muito tempo lutando com estas questões. Disseram-me que isto me torna tendenciosa demais para ponderar razoavelmente. Isso não faz sentido algum — quantas pessoas diriam que donos de empresas são enviesados demais para ponderar sobre regulamentos comerciais? Que sentido faria excluir enfermeiros da deliberação quanto às leis que determinam o que eles podem e não podem fazer? Ademais, como transgêneros constituem apenas cerca de 0,6% da população, a maioria das discussões sobre as políticas que os influenciam é feita por e para os cisgêneros. Apesar de que eu jamais falaria por todos os transgêneros, isso destaca a importância de garantir que todas as partes interessadas em uma questão sejam ouvidas.
A realidade é que transgêneros têm um grande interesse nestas questões. Quando o marcador de gênero em um documento de identidade não coincide com sua aparência, pode haver problemas de interação com funcionários do governo. Isto pode variar desde aborrecimentos moderados, como problemas nos locais de votação, até grandes problemas, como em interações com policiais. Sem acesso seguro a banheiros, muitos transgêneros desenvolveram infecções do trato urinário por segurarem por muito tempo. E, além disso, quando transgêneros são impedidos de entrar para as forças armadas, eles são de fato impedidos de ser o cidadão americano modelo.
O Quadro Liberal
O liberalismo pode ser entendido de vários ângulos diferentes, cada um destacando as maneiras pelas quais os direitos trans se encaixam na ideologia.
Uma delas é que o liberalismo visa instituições econômicas e políticas inclusivas. Em outras palavras, o liberalismo espera criar um mundo onde muitas pessoas tenham algo a dizer sobre como a economia deve funcionar e como o estado é administrado.
Economicamente, transgêneros têm sido impedidos de ter pleno acesso ao mercado, levando-os a estar super-representados entre os trabalhadores do sexo. Politicamente, transgêneros têm grandes problemas em serem vistos pelo estado como o gênero com os quais eles se apresentam. O governo tem historicamente se recusado a reconhecer pessoas exceto pelo gênero que lhes foi atribuído no nascimento. Como previamente mencionado, isso pode levar a uma variedade de problemas. Se o liberalismo visa uma sociedade cada vez mais inclusiva, então transgêneros devem estar na lista de grupos demográficos que ele deveria incorporar completamente.
Outro ângulo pelo qual o liberalismo pode ser entendido é a partir de uma suspeita de que se está sendo governado demais. Para muitos transgêneros, certamente parece que eles estão sendo governados demais. A minúscula letra nos documentos de identidade do governo que nos marcam como homem ou mulher desde o nascimento pode ser frustrante e irritantemente difícil de mudar. Mudar nomes pode ser um incômodo caro e demorado. E quando usam o banheiro, por que deveriam ser forçados a encarar um dilema no qual, de um lado, eles potencialmente encaram a polícia, e, por outro, eles parecem totalmente deslocados?
Um último ângulo a partir do qual examinar o liberalismo é a ideia de que a liberdade deve apenas ser cerceada pelo estado se há uma boa razão para fazê-lo. Enquanto anedótico, não parece haver significante mal uso de leis que tornam fácil mudar o nome e marcadores de gênero. Além disso, não há absolutamente evidência alguma de que transgêneros apresentam qualquer ameaça significativa em banheiros. Políticas anti-trans não são motivadas por evidência ou mérito.
A ignorância pode ser danosa
Este último ponto é importante. Em sua melhor versão, o liberalismo pretende ser orientado por evidências, mas sem ser puramente dirigido por uma “ciência sem ideologia”. Por outro lado, não pode ser um conjunto de princípios transcendentais que estão fora do tempo. O liberalismo propõe uma forma de governo que segue o princípio de que, se o estado quer restringir a liberdade, ele deve ter uma razão muito boa para isso.
Uma área notável onde políticas estão sendo propostas sem evidência é o tópico da transição de menores. Três estados diferentes apresentaram projetos de lei para banir coisas como bloqueadores de puberdade e hormônios para menores. Isso tornaria a disforia de gênero única entre outras condições de saúde, pois mesmo o tratamento que é aceito consensualmente entre os profissionais de saúde se tornaria ilegal. Isso está sendo impulsionado por alarmismo, com histórias inventadas de crianças sendo levadas às pressas para tratamentos hormonais sem critério. A ideia de que os profissionais estão coletivamente traindo os seus próprios princípios para fazerem política e de que os políticos estariam sendo mais fiéis aos princípios médicos e as evidências cientificas do que os profissionais médicos é um tanto bizarra. A eficácia da transição é bem estabelecida, como pode ser visto em grandes estudos como o paper “Trans Mental Health Study” de McNeil et al. de 2012 e a metanálise “Mental health and gender dysphoria: A review of the literature” de Dhejne et al. de 2015.
Além disso, como exposto no livro Trans Kids and Teens de Elijah C. Nealy, o processo de transição para menores é progressivo, lento, seguro, leva em conta tanto o menor quanto os seus tutores. Partindo da premissa de que o menor e os seus tutores estão de acordo com a ideia, o próximo passo tipicamente é a transição social. Isso significa que o menor se apresentaria como o gênero que melhor desejar em casa e em situações sociais como a escola. Se o menor estiver prestes a entrar ou já tiver entrado na puberdade, ele poderá começar a usar bloqueadores de puberdade. Bloqueadores de puberdade estão em uso por várias décadas e não há evidência de que eles sejam significantemente perigosos. Certamente perigoso é trancar pessoas que podem muito bem ser transgêneros em uma forma de corpo que é antagônica a como elas querem ser vistas. Se tudo correr bem, não antes dos 16 anos de idade (e tipicamente depois que já não são mais menores), lhes são prescritos hormônios sexuais. O processo é incremental, não imprudente. Bani-lo é absolutamente irracional e danoso.
Há outra área onde as pessoas em geral ignoram as evidências, embora nem sempre o governo o faça: esportes. Tem havido muita discussão sobre se é justo para pessoas com “corpos masculinos” competirem com mulheres cisgênero. Entretanto, quando a literatura científica é comparada com as políticas existentes, se torna óbvio que “a maioria das políticas de esporte competitivo transgênero que foram revisadas não foram baseadas em evidências,” e que “não há pesquisa direta ou consistente que sugira que indivíduos femininos transgênero (ou indivíduos masculinos) tenham uma vantagem atlética em qualquer estágio da sua transição.” Um bom exemplo das políticas atuais que tem causado problema foi em uma escola do Texas que exigiu que um homem transgênero competisse em uma categoria feminina de luta-livre. Não surpreendendo ninguém, ele venceu.
Uma possível exceção são as regras Olímpicas, que permitem que transgêneros participem da categoria correspondente ao gênero com o qual eles se identificam, sob certas condições. De acordo com uma dissertação publicada no prestigioso journal The Lancet, parece que as recomendações do Comitê Olímpico Internacional “proveem um padrão justo e equitativo.”
Que Fazer?
Quando se trata de políticas, há um punhado de lugares óbvios para começar. Transgêneros não deveriam ser impedidos de servir ao seu país, ou de usar o banheiro com o qual no qual se sentem mais confortáveis. A fim de promover um sistema profundamente inclusivo, discriminações contra pessoas baseada na identidade de gênero no mercado deveriam se tornar ilegais. Similarmente, tornar mais fácil a mudança do nome legal e do marcador de gênero na identificação governamental ajudaria a criar um sistema político mais inclusivo. Regulamentações esportivas deveriam se tornar mais em linha com a política Olímpica, ou até menos restritiva. Finalmente, políticos não deveriam banir procedimentos médicos consensuais.
Estes passos ajudariam a criar uma sociedade mais liberal, onde transgêneros têm um status semelhante a cisgêneros em todos os níveis. Até esse dia chegar, o Ideal Liberal nunca será verdadeiramente alcançado.
Autora: Sophia Hottel
Tradução: Gabriel Canaan
Revisão: Fernando Moreno
Publicado originalmente em 24 de fevereiro de 2020 no Exponents Mag.
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