Apesar de estarem em espectros políticos diferentes e da distinção dos países que governam, Trump, Bolsonaro e Maduro apresentam uma série de traços de políticos populistas. Baseado num levantamento feito de 1900 a 2018, apresento quais são alguns desses traços e o impacto disso no longo-prazo.
A disputa eleitoral americana de 2020 trouxe mais uma evidência das raízes populistas de Donald Trump. Após ser derrotado nas urnas, Trump passou a levantar a narrativa de que as eleições teriam sido fraudulentas, mesmo sem ter evidência e sem ter apoio de parte de seus próprios apoiadores. Depois de algumas tentativas, o presidente perdeu suas últimas esperanças de reverter o resultado das eleições. O supremo tribunal americano, mesmo sendo de maioria conservadora, rejeitou o processo movido por membros do partido republicano que buscava anular o resultado da Pensilvânia, questionando a validade de alguns votos feito pelos correios (prática comum nos EUA).
A não aceitação do resultado por parte de Trump, com relação ao resultado das eleições, assim como o fato de ter sofrido um processo de impeachment (barrado no senado por ter maioria republicana), agregam mais fatos que atestam Trump como um líder populista. Entre outros fatores, Trump se põe como um candidato anti-establishment, um outsider da política, divide as pessoas entre a população de bem e a elite corrupta, se pondo como representante da primeira, tem uma narrativa e política econômica nacionalista em relação a imigração, minorias e comércio. Características comuns a líderes populistas, sobretudo de direita.
Também nesse período foi decretado a vitória de Nicolas Maduro como presidente da Venezuela (eleição classificada como fraudulenta pela comunidade internacional). Maduro também carrega muitas das características de um líder populista, como a combinação de um discurso antielite e antipluralismo, criando a retórica do povo virtuoso contra as elites corruptas e se pondo como representante dos primeiros. Ele também acusa seus críticos como sendo inimigos da nação e os culpa pela morte do seu antecessor Hugo Chávez. Além disso, a Venezuela segue tendo uma política econômica nacionalista e protecionismo com bastante intervenção, além de ter sofrido forte deterioração de suas instituições. Maduro culpa o mal desempenho econômico como sendo fruto de uma conspiração internacional. Dado isso, Maduro pode ser caracterizado como um populista de esquerda.
Essa definição e outros levantamentos sobre o tema aparecem no artigo Populist Leaders and The Economy, de Manuel Funke, Moritz Schularick e Christoph Trebesch. Segundo os autores: “populistas normalmente retratam “o povo” como uma maioria sofredora, inerentemente boa, virtuosa, autêntica, ordinária e comum, cuja vontade coletiva está encarnada no líder populista. Em contraste, "a elite" é uma minoria inerentemente corrupta, egoísta e detentora de poder, definida negativamente como todos aqueles que não são “o povo”.
Os autores acrescentam que:
“A característica definidora dos populistas de esquerda é que seu antielitismo é predominantemente enquadrado em termos econômicos. Os populistas de esquerda frequentemente atacam as elites financeiras, capitalistas e oligárquicas que supostamente saqueiam o país às custas do povo" (Mudde e Rovira Kaltwasser 2017, van Kessel 2015). Muitas vezes se unem contra a globalização, bancos e fundos de hedge, empresas multinacionais e instituições financeiras internacionais como o FMI ou o Banco Mundial. Ao mesmo tempo, tendem a exigir políticas de intervenção do Estado e um retorno ao nacionalismo econômico (Mudde e Rovira Kaltwasser 2017). Sua retórica polarizadora, portanto, centra-se na dimensão financeira e econômica, enquanto em termos culturais, os populistas de esquerda tendem a ser inclusivos e a favor do multiculturalismo (Mudde and Rovira Kaltwasser 2013).”
“Em contraste, os populistas de direita enquadram predominantemente seu discurso populista em termos culturais e visam um terceiro grupo - estrangeiros e minorias étnicas e religiosas, que supostamente ameaçam a identidade e a cultura nacionais (Rodrik 2018). Frequentemente, eles acusam “as elites” (que são, antes de tudo, elites políticas) de proteger essas minorias contra a vontade “do povo” (Mudde e Rovira Kaltwasser 2017). Ao fazer isso, os populistas de direita, assim como seus colegas de esquerda, cultivam sentimentos antielitistas, oposição ao sistema e defesa do homem comum. Os populistas de direita frequentemente promovem a xenofobia etno-nacionalista, enfatizam o suposto declínio dos valores tradicionais e apelam para políticas conservadoras e de lei e ordem (Betz 1994). Além disso, os populistas de direita frequentemente (mas nem sempre, especialmente com relação a alguns aspectos da globalização e/ou finanças) promovem políticas econômicas liberais, defendendo uma regulamentação favorável aos negócios, impostos baixos e um estado de bem-estar social limitado (Betz 1994, Mudde 2007).”
Usando essa definição, o artigo faz um levantamento dos líderes populistas desde 1900. Entre os dados encontrados está que populistas em média passam mais tempo no cargo e muitos desses líderes não costumam deixar o poder numa situação normal.
De 72 populistas listados no artigo, 56 saíram de forma irregular. 18 saíram por impeachment ou golpe militar (nacional ou estrangeira), com o impeachment ocorrendo no caso de Fernando Collor do Brasil em 1992, Fujimori do Peru em 2000 e Joseph Estrada das Filipinas em 2001.
4 terminaram devido a problemas de saúde ou acidentes que levaram à morte (Hugo Chávez na Venezuela, Andreas Papandreou na Grécia, Juan Perón na Argentina, Kaczyński na Polônia) e 2 suicidaram-se (Adolf Hitler na Alemanha no final da 2ª Guerra Mundial e Getúlio Vargas no Brasil).
Dilma não entrou como populista provavelmente por não ter uma campanha com narrativa anti-establishment, apesar de ela guardar certa semelhança com relação à política econômica, o impeachment e parte dos discursos do partido.
Outro fator, já abordado por vários autores, é que esses líderes geralmente geram problemas econômicos no longo-prazo. No artigo, os autores usam algumas estratégias para identificar o impacto econômico, por exemplo comparando o desempenho com economias parecidas, onde não houve a entrada de um populista. No gráfico é mostrado o gap do PIB com relação a essas economias próximas.

Essa deterioração econômica acontece por meio de três canais:
- Nacionalismo econômico e desintegração, principalmente via políticas protecionistas.
- Políticas macroeconômicas insustentáveis resultando no aumento do déficit público e inflação.
- Erosão institucional, principalmente nos pesos e contrapesos da democracia, por exemplo na independência dos três poderes.
Qual a relação com Bolsonaro e a importância disso para o Brasil?
É bastante evidente que Bolsonaro se encaixa nas definições de um líder populista assim como Maduro e Trump. Por exemplo, seu discurso nacionalista e seu ataque às instituições internacionais (como na relação com o meio ambiente). Ele também se põe como um outsider e o representante da vontade do povo contra a elite corrupta, além de seus ataques a minorias. Esses e outros dados o definem como um líder populista de direita. Dado isso, é possível traçar um cenário ainda maior de deterioração econômica, institucional e de nossas relações internacionais para os próximos anos. Além disso, é possível esperar algum tipo de resistência caso perca a próxima eleição, o que vai gerar um impacto negativo ainda maior no nosso equilíbrio institucional e econômico, como regularmente acontece com esses líderes.
Referências
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Estudante de economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Escreve sobre economia e ciência política com foco em teoria institucional e teoria da escolha pública.