Procure no site:

dezembro 24, 2020

Em Capitalismo e Liberdade, do economista americano Milton Friedman, há a seguinte frase, que vem sendo utilizada por alguns contra a vacinação obrigatória:

“Aqueles, dentre nós, que acreditam em liberdade devem crer também na liberdade dos indivíduos de cometer seus próprios erros. Se um homem prefere, conscientemente, viver o dia de hoje, usar seus recursos para se divertir, escolhendo deliberadamente uma velhice de privações, com que direito podemos impedi-lo de agir assim? Podemos argumentar com ele, tentar persuadi-lo de que está errado. Mas podemos usar a coerção para impedi-lo de fazer o que deseja fazer? Não existirá a possibilidade de que esteja ele certo e nós errados? A humildade é a virtude que distingue o indivíduo que acredita na liberdade; a arrogância é a que distingue o paternalista.”

Curiosamente, foi justamente neste livro que Friedman defendeu a educação compulsória. Alguns anos depois, Friedman mudou de ideia e deixou de defender tal medida. Teria ele percebido alguma contradição? Improvável, pois ela não existe.

Em uma entrevista para a revista americana Reason nos anos 90, o ganhador do Nobel de 1976 explicou porque defendia e porque deixou de defender, no contexto americano, a matrícula compulsória de crianças no colégio.

Segundo Friedman, era possível defender tal medida com base nas externalidades. De acordo com estudos posteriores, contudo, o grande economista americano concluiu que o efeito era muito pequeno. Segundo ele, o ensino obrigatório aumentou de 90% para 91% o atendimento escolar nos EUA, e um efeito marginal tão pequeno não seria suficiente para privar os pais para a liberdade de escolha. Teria ele continuado a defender a matrícula compulsória se as evidências demonstrassem um efeito mais significativo? A entrevista deixa a entender que sim.

Não tratarei aqui se a mudança de opinião foi correta ou não até porque não conheço os estudos que fizeram Friedman mudar de ideia, mas a razão pela qual ele defendia e deixou de defender tal medida é totalmente consistente com a frase do seu primeiro livro. Como quase todo liberal sério (há algumas exceções respeitáveis), Friedman via a liberdade de decisão individual como um princípio de extrema importância, mas não o absoluto, e como um economista de primeiríssima linha, conhecia bem a relevância das externalidades. Para ele, naquele momento (como vimos, posteriormente ele mudou de ideia), exigir aos pais que coloquem as crianças nas escolas é similar às exigências nas regulamentações exigidas para construir um prédio, por exemplo, e pode ser justificada pelos efeitos positivos para a sociedade como um todo.

O limite da liberdade individual deve ser sempre o momento em que a sociedade ganha mais com a privação do direito de escolher? Estudiosos liberais de todas as áreas vêm debatendo esta questão há tempos sem encontrar muito consenso. Na minha opinião (e, imagino, a mesma de Friedman), é possível em vários momentos que um particular tome uma decisão que não seria o ideal para a maior parte da sociedade e ele não pode ser impedido de fazê-lo. Mas a discussão deve ser sobre até onde vai esse direito. No caso das vacinas, as evidências acerca das externalidades são inequívocas, o que deixa, ao meu ver, pouca margem para a crítica da vacinação obrigatória com base puramente na liberdade de decisão. Você não está apenas se defendendo do Covid-19 ao se vacinar, está defendendo também as pessoas próximas. Tal defesa significa menos quarentena, menos gasto para o governo, menos mortes... Ter de explicar algo aparentemente tão óbvio infelizmente demonstra como não apenas os críticos do liberalismo, mas frequentemente seus apoiadores, estão desinformados acerca das ideias que dizem defender.

Assine a newsletter e receba os novos textos que publicarmos aqui por e-mail

Deixe seu comentário. Faça parte do debate

Discover more from Neoliberais

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading