Há pouco mais de quatro anos, um mandato de presidente portanto, o Senado sacramentava o impeachment da Dilma, encerrando, assim, 13 anos do governo do PT (por meio de um golpe a Casa e o então Presidente do Supremo Ricardo Lewandowski, que presidiu a sessão, optaram por fatiar a votação, não revogando seus direitos políticos, mas isso é outra história).
A situação atual não nos permite comemorar, mas podemos ao menos começar a compreender melhor o quão nocivo foi a maior parte do governo petista, até porque o atual mandatário tem flertado com medidas similares às que colocaram o país no buraco.
No final de 2005, Gustavo Franco publicou o excelente livro "Crônicas de Convergência: ensaios de temas já não tão polêmicos". Logo em sua introdução, Franco afirma que “o modelo econômico do esquerdismo jurássico nacionalista, se não desapareceu (...) ficou reduzido a um punhado de radicais que deixou o PT a bordo de uma melancólica Kombi cor de sangue”. Naturalmente Franco falava do PSOL, que havia nascido de uma costela do PT após a Reforma da Previdência de 2003, que acabou com a aposentadoria de 100% do salário que servidores públicos (inclusive juízes, promotores e auditores fiscais) recebiam até então. Mais ironicamente ainda, Franco diz que o Mensalão teria assinalado a “queda do Muro de Berlim” no Brasil, com mais de 15 anos de atraso, pois de fato, a equipe econômica saiu intacta de um episódio que arrasou boa parte da cúpula petista. Ainda que pessoalmente discorde de Franco, pois para mim o governo do PT já demonstrava sinais de mediocridade mesmo nessa época, não era possível saber naquele momento como a previsão de um dos pais do Plano Real estava errada, e até o grande economista Daron Acemoglu elogiou Lula ainda em 2012. De fato, era impossível saber que pouco tempo depois o chefe da equipe econômica e Ministro da Fazenda Antônio Palocci cairia em desgraça em um escândalo após quebrar o sigilo fiscal do caseiro Francenildo Costa, e que seu substituto, Guido Mantega, que em entrevista à revista Veja disse que “um presidente irresponsável seria impichado”, abandonaria progressivamente as medidas dos primeiros dois anos e meio de governo petista.

Ao analisarmos friamente o período, fica mais que claro que o país cresceu apesar, e não por causa, do PT. Fatores exógenos, como o cenário externo favorável; demografia em alta; e políticas que só maturaram nos anos 2000, como a universalização da educação básica e o tripé macroeconômico, explicam muito melhor o crescimento na época. Para compreendermos quanto este período foi nocivo, separei algumas constatações do estudo A Década Perdida, feito por uma equipe da PUC-Rio. É importante notar que o estudo compreende apenas os dez primeiros anos do governo do PT (2003-2012), não cobrindo, portanto, a hecatombe pós-2014 ou parte de suas raízes no governo Dilma I. O estudo demonstra, portanto, essencialmente como o governo Lula, apesar de um início relativamente promissor, desperdiçou grandes oportunidades de fazer o país crescer e plantou as sementes da crise que se estende desde meados de 2014. A melhora existiu, mas foi menor tanto quando comparada com o resto da América Latina quanto aos demais países emergentes. Segundo os autores do estudo:
“Tendo recebido um choque de renda externa mais generoso, o Brasil, em relação ao melhor grupo de comparação: 1) cresceu, investiu e poupou menos; 2) recebeu menos investimento estrangeiro direto e adicionou menos valor na indústria; 3) teve mais inflação; 4) perdeu competitividade e produtividade, avançou menos em Pesquisa e Desenvolvimento e piorou a qualidade regulatória; 5) foi pior ou igual em quase todos os setores importantes; 6) a distribuição de renda, a fração de pobres, e a subnutrição caíram em linha ou um pouco menos; 7) a escolaridade avançou menos, a despeito de maiores gastos; 8) a saúde andou em linha. Fomos melhor no mercado de trabalho, onde avançamos na margem mais fácil: colocar as pessoas para trabalhar. Em suma, o Brasil avançou, mas poderia ter avançado muito mais.”
Em outras palavras, mais que uma década de crescimento baixo como os anos 80 foi uma década de oportunidades perdidas, um período em que reformas foram tidas como desnecessárias diante da ilusão criada por fatores exógenos.
O PIB per capita e o investimento, continuam os autores, cresceram substancialmente menos do que o melhor grupo de comparação. A produtividade, principal fonte de crescimento de longo‐prazo de um país, cresceu menos do que no melhor grupo de comparação. A Produtividade Total dos Fatores (TFP, da sigla em inglês), uma medida de produtividade agregada, piorou tanto em termos relativos como em termos absolutos. Em linha com a evolução da TFP, a produção científica e a concessão de patentes cresceram menos do que no melhor grupo de comparação. As exportações cresceram pouco quando comparadas com os demais emergentes e as importações estagnaram. A indústria perdeu participação no PIB. O Brasil se tornou uma economia menos aberta e menos competitiva durante o período – provando pela enésima vez que “proteger a indústria nacional” não vai funcionar, como não vem funcionando há décadas.
O investimento em infraestrutura foi também aquém daquele obtido pelo melhor grupo de comparação. O investimento estrangeiro direto foi menor do que no melhor grupo de comparação. Na macroeconomia de curto prazo, melhoramos nas dimensões fiscal, posição externa e política monetária, mas em linha com o melhor grupo. Tivemos mais inflação do que o melhor grupo de comparação, o que é particularmente notável dado que crescemos menos.
Nos quesitos institucionais também fomos mal. A qualidade institucional, medida pelo índice de Qualidade Regulatória do Banco Mundial, piorou muito em relação ao melhor grupo de comparação. A qualidade regulatória teve uma piora também em termos absolutos. A percepção de corrupção piorou em relação ao melhor grupo de comparação. Os autores avaliaram também vários setores importantes para a economia brasileira, como agricultura, indústria, energia, mineração, telecomunicações, infraestrutura e bancário. Com a honrosa exceção da agricultura, que o então governo comprou umas boas brigas, e das telecomunicações – setor privatizado no final dos anos 1990 –o desempenho brasileiro foi na melhor das hipóteses igual ao do melhor grupo de comparação.
Fazer negócios no Brasil ficou mais difícil e arriscado, tanto em termos relativos quanto absolutos. Os investidores passaram a cobrar um prêmio, o que encarece e diminui o investimento. O menor investimento diminui ainda mais o já medíocre crescimento do PIB por pessoa empregada. A piora do ambiente de negócios, além de diminuir o investimento, aumenta a desigualdade. Por outro lado, quando falamos da queda da pobreza, fomos muito piores do que poderíamos ter sido, e novamente, ela poderia ter caído bem mais.
Os aumentos dos gastos com educação não resultaram numa melhora efetiva. Gastamos mais que o resto do mundo com resultados piores. Nosso capital humano teve uma piora substancial, novamente na contramão dos demais países. Apesar do PAC e de todos os investimentos do governo, não houve melhora no estoque de capital. O despejo de dinheiro pelo BNDES foi irrelevante para o aumento dos investimentos. A poupança cresceu, mas aquém do que deveria ter crescido quando comparada com países similares.
O resultado é que a produtividade manteve-se estagnada. O alicerce do crescimento no período foi a incorporação de pessoas à força de trabalho, e não aumentos de produtividade. Parte dessa incorporação se deve puramente à demografia, e como ficou claro com os 13 milhões de desempregados da Dilma, a melhora do resto foi artificial e insustentável. Para os autores, na pior das hipóteses, poderíamos ter ficado 10% mais ricos.
Na saúde, tão em voga hoje, a melhora foi inferior não só aos demais países comparados, mas também em relação ao governo anterior. No saneamento básico e o acesso à água potável, os resultados também foram abaixo da média quando comparados com os demais países. Assim como na educação os gastos aumentaram mais que a média do grupo comparado, sem melhora significativa. Sem dúvida, culpar a ineficiência petista parece muito mais justo do que culpar o fantasma do Teto de Gastos na hora de explicarmos nossos problemas no setor.
Até mesmo na desigualdade o governo deixou a desejar. Na época do estudo havia um consenso que ela havia caído, mas hoje estudos liderados pelo economista francês Thomas Piketty, tão citado pela esquerda, questionam a eficácia do período petista neste problema. É importante lembrar também que 60% de ganho real do salário mínimo foram menores do os ajustes dos vencimentos dos servidores públicos, e que empréstimos de bancos públicos e isenções fiscais dados pelo governo estão na casa dos centenas de milhões, valor muito maior que o Bolsa-Família, uma das conquistas do período (e, ironicamente, demonizado por apoiadores do governo em seu início).
Em relação aos melhores grupos de comparação deveríamos estar mais ricos e, principalmente, poderíamos ter construído bases mais sólidas para a prosperidade futura se tivéssemos investido o mesmo que o melhor grupo de comparação, tanto na formação de capital físico quanto de capital humano. O governo PT comprometeu inutilmente as bases da prosperidade futura piorando o arcabouço institucional do país, enquanto o melhor grupo de comparação melhorou ao longo da década. Não houve avanço relativo no social. Fizemos o mais fácil (o que não quer dizer que não seja necessário): colocamos as pessoas para trabalhar, o que aumentou a massa salarial e a renda dos trabalhadores. Isso é bom, mas certamente insuficiente para criar crescimento sustentável no longo prazo, e a subida do desemprego ainda durante o governo Dilma demonstra que mesmo este fator foi insustentrável. Em quase todas as outras dimensões fomos mal numa perspectiva comparada. Pouco meses antes da deflagração da crise que arrasaria o país, os autores profeticamente sentenciavam:
“Em suma, em termos de investimento, produtividade e construção institucional, o legado econômico para o futuro é, na melhora das hipóteses, desalentador. (...) A perspectiva não é das melhores. A lista inclui: baixa produtividade média e marginal do trabalho; produtividade agregada baixa e estagnada; baixo investimento em capital físico; pouco investimento em inovação; sensível deterioração da qualidade institucional e regulatória, com implicações deletérias sobre custo de capital das empresas; e aumento relativo na corrupção. As bases para o futuro são frágeis."
Après moi, le déluge
Já ficou chato falar de responsabilidade fiscal, mas é notável também como a falta de cuidado com as contas públicas já podia ser sentida no período. Mesmo com a Lei da Responsabilidade Fiscal, em 2001, o Brasil aproveitou menos o boom da economia para diminuir as suas dívidas que os demais países. O então ministro do planejamento Paulo Bernardo chegou a falar em zerar o déficit nominal, mas a promessa deu lugar ao populismo fiscal. Tal populismo permitiu o PT vencer mais três eleições, mas a que custo? Todas as reformas que temos falado nos últimos 4 anos (previdência, tributária, administrativa) poderiam e deveriam ter sido feitas no período. Chegamos menos preparados ao momento atual, que exige um governo ativo, em partes por decisões dessa época.
Uma nova década perdida (a terceira em quarenta anos) parece hoje inevitável. Cada vez mais Bolsonaro tem demonstrado sua veia populista, e caso precise para se reeleger, aparentemente não vai medir esforços para adotar medidas similares às do PT de Lula e Dilma – com a grande diferença que agora ele não tem nem um cenário interno nem externo para empurrar o problema com a barriga. Caminhamos perigosamente para a terceira década perdida em 40 anos. Tudo o mais constante, a bomba explodirá bem rápido dessa vez, e quem pagará será você.
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