1 - A literatura econômica hoje tem uma posição bem mais nuançada e ambígua a respeito dos efeitos das privatizações do que tinha antes.
2 - Até mais ou menos os anos 2000, o que nós sabíamos sobre privatizações era baseado, principalmente, na experiência de países desenvolvidos e ex-comunistas. No caso de economias desenvolvidas, a transferência de empresas do Estado para o setor privado melhorou a eficiência dos serviços (Megginson e Netter, 2000). Para economias de transição, o impacto era positivo na Europa Central e na Comunidade dos Estados Independentes; a menos, no caso da CEI, que as empresas fossem vendidas para agentes domésticos (Estrin et al, 2009).
3 - No entanto, o debate ficou um pouco mais complicado com alguns fracassos significativos durante os anos 80 e 90, sobretudo no mundo em desenvolvimento.
4 - De fato, em países pobres e com instituições políticas precárias, o desempenho econômico de empresas privatizadas foi bem mais variado.
4.1 - No setor bancário, a performance normalmente melhorou após a privatização (Clarke, Cull e Shirley, 2005); inclusive no Brasil (Beck, Crivelli e Summerhill, 2005).
4.2 - O impacto nas empresas de telecomunicações foi positivo na América Central, no Caribe, e em países costeiros e escassos em recursos na África e na Ásia; mas negativo na América do Sul e em países africanos escassos em recursos e sem acesso ao mar (Gasmi et al, 2013).
4.3. - Quanto a empresas de água e saneamento básico, não há diferença entre a performance de empresas públicas e privadas na Ásia ou na África (Estache e Rossi, 2002; Kirkpatrick, Parker e Zhang, 2006). A natureza do produto limita a possibilidade de competição, e portanto os ganhos de eficiência.
4.4 - Zhang, Parker e Kirkpatrick (2008) encontram ganhos limitados no setor de eletricidade. Se não houver um sistema regulatório eficiente, a privatização não aumenta a produtividade do trabalho ou a geração de energia.
5 - Os fatores que explicam essas diferenças são a qualidade regulatória (e, portanto, também a qualidade das instituições políticas); os níveis de competição efetiva nos leilões; diferenças nos detalhes dos contratos; e as características dos novos donos (estrangeiros são melhores do que domésticos).
6 - Em suma, a privatização não é uma panaceia, e provavelmente não vai entregar os resultados desejados em termos de eficiência sem a supervisão de agências regulatórias anti-monopólio independentes do Estado; a participação de empresas estrangeiras nos leilões (Du, Harrison e Jefferson, 2014; Clarke, Cull e Shirley, 2005); um mercado de capital suficientemente desenvolvido; um sistema legal apropriado que regule a governança corporativa; e a existência de uma competição efetiva.
7 - As privatizações podem gerar demissões em massa no curto prazo (Chong e Lopez-de-Silanes, 2002), mas análises de longo prazo com métodos econométricos mais sofisticados encontram um impacto positivo nos níveis de emprego (Gupta, 2011).
8 - Vários estudos na América Latina mostram que privatizações na área de infraestrutura ampliaram o acesso das populações mais pobres aos serviços (Torero e Pasco-Font, 2001; Chisari, Estache e Romero, 1999; Barja e Urquiola, 2001; Lopez-Calva e Rosellon, 2002). No entanto, elas costumam ser acompanhadas por aumentos significativos nos preços, o que precisa ser levado em consideração pelos formadores de política (Estache, Foster e Wodon, 2002).
9 - Em setores com características de bens públicos, os ganhos com privatizações são mais limitados. O aumento de gastos públicos com saúde, mas não o de gastos privados, está associado com uma menor incidência de tuberculose em nações em desenvolvimento (Austin, Descisciolo e Samuelsen, 2016).
Fontes
Estudos citados na meta-análise do Banco Mundial e reproduzidos no texto:
Megginson W., Netter J.. 2001. “From State to Market: A Survey of Empirical Studies on Privatization.” Journal of Economic Literature 39 (2): 321–89.
Estrin S., Hanousek J., Kocenda E., Svejnar J.. 2009. “The Effects of Privatization and Ownership in Transition Economies.” Journal of Economic Literature 47 (3): 699–728.
Clarke G., Cull R., Shirley M.. 2005. “Bank Privatization in Developing Countries: A Summary of Lessons and Findings.” Journal of Banking and Finance 29: 1905–30.
Beck T., Crivelli J. M., Summerhill W.. 2005. “State Bank Transformation in Brazil - Choices and Consequences.” Journal of Banking and Finance 29 (8-9): 2223–57.
Gasmi F., Maingard A. A., Noumba Um P. P., Virto L. R.. 2013. “The Privatization of the Fixed-Line Telecommunications Operator in OECD, Latin America, Asia, and Africa: One Size Does Not Fit All.” World Development 45: 189–208.
Estache A., Rossi M.. 2002. “How Different Is the Efficiency of Public and Private Water Companies in Asia?.” World Bank Economic Review 16 (1): 139–47.
Kirkpatrick C., Parker D., Zhang Y.-F.. 2006. “An Empirical Analysis of State and Private-Sector Provision of Water Services in Africa.” World Bank Economic Review 20 (1): 143–63.
Zhang Y.-F., Parker D., Kirkpatrick C.. 2008. “Electricity Sector Reform in Developing Countries: An Econometric Assessment of the Effects of Privatization, Competition and Regulation.” Journal of Regulatory Economics 33 (2): 159–78.
Du L., Harrison A., Jefferson G.. 2014. “FDI Spillovers and Industrial Policy: The Role of Tariffs and Tax Holidays.” World Development 64: 366–83.
Chong A., Lopez-de-Silanes F., 2002. “Privatization and Labor Force Restructuring around the World.” Policy Research Working Paper No. 2884, Washington, DC: World Bank.
Torero M., Pasco-Font A.. 2001. “The Social Impact of Privatization and the Regulation of Utilities in Peru.” WIDER Discussion Paper No. 2001/17, Tokyo: United Nations University.
Chisari O., Estache A., Romero C.. 1999. “Winners and Losers from the Privatization and Regulation of Utilities: Lessons from a General Equilibrium Model of Argentina.” World Bank Economic Review 13 (2): 357–78.
Barja G., Urquiola M.. 2001. “Capitalization, Regulation and the Poor: Access to Basic Services in Bolivia.” WIDER Discussion Paper No. 2001/34, Tokyo: United Nations University.
Lopez-Calva L. F., Rosellon J.. 2002. “Privatization and Inequality in Mexico.” Unpublished paper delivered to a seminar on Privatization and Inequality in Latin America, Inter-American Development Bank and Universidad de las Americas, Puebla, Mexico, May.
Estache A., Foster V., Wodon Q.. 2002. Accounting for Poverty in Infrastructure Reform. Washington, DC: World Bank.
Austin K., Descisciolo C., Samuelsen L.. 2016. “The Failures of Privatization: A Comparative Investigation of Tuberculosis Rates and the Structure of Healthcare in Less-Developed Nations.” World Development 78: 450–60.
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Social-liberal | Vegetariano | Graduando em Relações Internacionais pela USP.