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setembro 28, 2020

Há algumas semanas, a União dos Estudantes Conservadores realizou um debate sobre as virtudes do financiamento estudantil. O debate em si foi realizado sob condições rigorosas de anonimato para encorajar a livre discussão, mas contou com alguns tomadores de decisão política de centro-direita muito qualificados, incluindo Lord David Willets e o Professor Nicholas Barr, interagindo com estudantes Tory*. Os argumentos que surgiram são um interessante reflexo do consenso conservador sobre a política do ensino superior no Reino Unido. Este artigo escolhe os temas-chave levantados e acrescenta algum contexto adicional para facilitar discussões posteriores.

*Nota do Tradutor: Tory é o antigo nome do partido de tendência conservadora britânico e até hoje é sinônimo de conservador.


#1 O Financiamento Estudantil é Veículo da Independência

O primeiro argumento-chave a surgir é que o sistema de financiamento estudantil, longe de prejudicar as perspectivas dos estudantes, na verdade, os ajuda. Isto pode parecer ligeiramente ridículo para o público americano, por isso, para esclarecer, todos os estudantes ingleses têm direito a um empréstimo do governo que cobre o custo total da taxa anual de um curso de graduação de três anos (tipicamente £27,750). Começam a reembolsá-lo no momento da graduação, com pagamentos que chegam a 9% dos seus rendimentos acima de £27.000 por ano. Não há penalização por não-reembolso, e os empréstimos são anulados após 30 anos.

Este modelo faz duas coisas úteis para estudantes e universidades. Primeiro, significa que o ensino superior é mais livre das vicissitudes da política governamental. Em tempos de cortes, é politicamente difícil atacar o orçamento da saúde, da aposentadoria, ou da defesa. É muito mais fácil ir atrás de financiamento para as universidades. Mesmo no campo da educação as universidades ocupam um quarto lugar distante em importância em relação ao ensino pré-escolar, primário, e secundário. Os empréstimos estudantis, ao adiar os custos decorrentes do ensino superior, protegem contra cortes súbitos. Isto parece aplicável tanto nos EUA como no Reino Unido. Quantos Senadores do Partido Republicano votariam pela educação superior gratuita se isso significasse sacrificar um par de porta aviões - ou, pior ainda, um aumento de impostos?

Segundo, os empréstimos - segundo fontes - colocam os estudantes numa posição mais forte para fazer exigências às universidades. Com o empréstimo os estudantes estão vindo para a universidade com dinheiro no bolso e pagando pela sua educação, em vez de a receberem através do governo. Se sentirem que não estão recebendo o valor do seu dinheiro, podem pedir transferência - ou pelo menos fazer reclamações. Este argumento enquadra-se bem na tradição Tory em que o livre mercado é visto como veículo de empoderamento - o que pode soar desconfortável para alguns. Há um importante debate a ser travado sobre em que medida os estudantes devem influenciar a política universitária mas este é um resultado do programa de empréstimos - e que obteve a aprovação dos Conservadores na discussão.


#2 O Financiamento Público Direto* preserva privilégios da Classe Média

*Nota do Tradutor: seria o modelo de faculdade pública como temos no Brasil.

O segundo argumento-chave apresentado é que o financiamento público direto sustenta de fato privilégios da classe média. Isto, à primeira vista, não faz qualquer sentido. Afinal, se o governo pagasse pelos lugares na universidade ele quebraria as barreiras financeiras ao acesso.

Certamente quebraria. Mas tem um detalhe. O financiamento público direto - em vez de por um mecanismo de empréstimo - limitaria o número de lugares disponíveis. Afinal, cada estudante custa uma certa quantia e o orçamento do governo para as universidades é limitado. Com menos lugares, as universidades tornam-se mais seletivas, o que beneficia as pessoas das classes média e alta - e especialmente as que frequentaram as escolas privadas. Isto não é apenas conjectura. No Reino Unido, quando o governo financiou universidades públicas, um dos oradores relacionou o perfil médio dos estudantes e apenas 15% provinham da classe trabalhadora. Como disse um dos oradores: "Se você acredita que a responsabilidade chave do Partido Conservador é a de consolidar os privilégios da classe média, você deve apoiar a moção [do financiamento estudantil pelo governo]".

Um elemento adicional disto e que o debate apenas aflorou foi que os graduados tendem a ganhar muito mais dinheiro do que os não graduados. Dado que o financiamento público limitaria o número de licenciados, significaria na realidade que o governo está pagando para produzir uma pequena classe de indivíduos com rendimentos elevados. O modelo britânico de reembolso de empréstimos estudantis não é um encargo financeiro significativo para os graduados. Tornar as faculdades gratuitas, ou perdoar empréstimos passados, iria simplesmente beneficiar ainda mais uma classe já privilegiada de pessoas.


#3 Oxbridge Domina Improdutivamente os Debates

Não é segredo que Oxford e Cambridge (Oxbridge) dominam a cena universitária britânica - e, por extensão, as várias universidades do Grupo Russell que seguem o seu modelo até um certo ponto. No entanto, o que é talvez menos óbvio de imediato é que elas também são grandes nos debates sobre a política do ensino superior. Quando os políticos falam de universidade, disse um antigo membro do Conselho de Ministros, estão realmente falando de Oxbridge. Isto não é nenhuma surpresa. Oxbridge - e especialmente os bacharéis dos cursos de Política, Filosofia ou Economia de Oxford - tem absoluto domínio em Westminster.

Mas este ponto de vista, talvez compreensível, leva a uma política pobre. Por exemplo, muitos políticos lamentam a falta de orientação prática nos currículos universitários. "Será que as universidades estão realmente formando pessoas para a economia moderna?" dizem eles. Para além do fato de capacidades analíticas e de investigação exigidas pelos cursos de humanidades mais rigorosos serem absolutamente relevantes na economia moderna, existem de fato universidades que são altamente relevantes para a formação de carreiras mais "práticas". A Universidade de Teesside, por exemplo, tem enormes programas dedicados à engenharia automóvel. Ao conceber uma política que ignora estas instituições os governos não estão obtendo recursos e experiências úteis. O mesmo problema, aliás, pode ser visto - em menor medida, porque a Ivy League é menos dominante do que Oxbridge - na reiterada negligência dada as faculdades comunitárias nos Estados Unidos.


#4 Sem Graduações Inúteis - Mas Algumas Lições Inúteis

Um ponto especialmente curioso que surgiu foi a ideia de que não existem programas de graduação inúteis, apenas um ensino de má qualidade de conteúdo de outra forma útil. Isto vindo dos Conservadores pode ser uma ligeira surpresa, uma vez que as tiradas contra o desperdício e a educação doutrinária são um elemento básico comum da direita política. No entanto, a questão foi muito bem colocada. Por exemplo, pode-se pensar que um diploma em "Gestão de Campos de Golfe" é uma piada completa. De fato, poderia ser uma qualificação de gestão de negócios perfeitamente respeitável, com alguns pontos específicos de golfe à parte.

Para além disso, todos os oradores reconheceram que a universidade tem um valor imenso para além do trabalho do campo propriamente dito. As ligações sociais, as atividades extracurriculares e as oportunidades de carreira obtidas através dela são um acelerador e desenvolvedor. Anedoticamente, minha passagem de uma escola privada de Oxford para uma universidade em Londres agregou valor no desenvolvimento de competências transversais e experiência profissional necessária para operar no mundo real.

Esses dois pontos são úteis porque sugerem que os Conservadores em geral concordam que a educação universitária é valiosa e algo que o governo deve apoiar. Isto sugere que a oposição que fazem ao financiamento público do ensino superior diz respeito a uma discordância na implementação de políticas e não em valores fundamentais.


#5 O Acesso Começa Jovem

Um último tema que surgiu no final do debate foi a importância crítica da intervenção e do investimento na primeira infância. Mesmo gastos modestos em programas de leitura do jardim de infância ou ensino primário podem ter um impacto fortemente positivo no desempenho educacional futuro. Existe uma correlação observada entre famílias nas quais os país ou responsáveis leem para as crianças regularmente e o acesso à universidade por essas crianças no futuro.

Quando as famílias, por qualquer razão, não conseguem ajudar suas crianças, o governo deve corrigir essa lacuna. De modo geral, prover serviços voltados às crianças, benefícios financeiros para as famílias de baixa renda e demais formas de ajuda socioeconômica aumentam de modo dramático o acesso à universidade.

Tudo isso é passado, mas talvez seja surpreendente ouvir isso vindo dos Conservadores, cuja reputação de preocupação com justiça social e inclusão é - para ser educado - um pouco corpulenta. No entanto, esta foi a linha de argumentação de todos os participantes. É também altamente consistente. Todos concordam que aumentar o número de universitários é positivo, tanto para os indivíduos como para o país em geral. Por conta disso, faz todo o sentido tomar uma série de medidas para aumentar o acesso a todos.

Tudo isto - tanto este último ponto como todo o artigo - mereceria numerosas advertências. Esta é ainda uma discussão abstrata e não deve ser tomada como reflexo do processo político real. Além disso, todos os oradores no debate eram ou tomadores de decisão política de alto nível ou estudantes altamente engajados. Estava lá uma parte importante, talvez até mesmo a parte dominante, da coligação conservadora, mas não reflete sua totalidade. No entanto, o debate foi uma visão útil de uma posição distintamente conservadora sobre o ensino superior que, ao que parece, pode estar bem mais próxima dos pontos de vista da esquerda nas intenções almejadas do que eles poderiam imaginar.

Autor: Matthew Ader

Tradução: Jonas Amaro

Revisão: Fernando Moreno

Publicado originalmente 17 de setembro de 2020 no Exponents Mag.

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