Muitos liberais questionam a ideia de que é necessário combater a desigualdade. Combater a desigualdade, afinal, não seria coisa de estatista, de social-democrata, de socialista? Pois não é bem sabido que há um trade-off intransponível entre liberdade e igualdade?
Pois bem, uma bandeira que eu defendo é a de que o Brasil precisa copiar o resto do mundo naquilo que deu certo. Sem inventar modismos tropicalistas: o que precisamos é de políticas que aproximem os nossos indicadores sociais do padrão observado no mundo. Precisamos arrumar a casa antes de querermos dar uma de visionários. Defendo confessamente, portanto, aquilo que Eduardo Gianetti chamou no livro Trópicos Utópicos de “mimetismo”.
Dou exemplo de três indicadores brasileiros que são totalmente fora do padrão mundial:
(i) Previdência social. O Brasil gastava em 2013 quase 12% do PIB (hoje esse valor é ainda maior) com previdência, o mesmo percentual gasto na Alemanha. A diferença é que a proporção de idosos da Alemanha é três vezes maior que a do Brasil. Tem algo muito errado aí — por isso uma reforma previdenciária foi necessária, e outras mais também o serão.
(ii) O gasto com educação no Brasil está na média mundial, porém seus resultados nas avaliações internacionais de educação são horríveis.Tem algo muito errado aí — por isso uma reforma educacional é necessária.
(iii) A desigualdade no Brasil está muito fora do padrão. No índice Gini ficamos na 8ª colocação no ranking de desigualdade (confira aqui). Mas outro indicador assusta ainda mais: em um paper publicado recentemente pelo pesquisador Mark Morgan, descobriu-se que a cota da renda nacional destinada ao top 1% é de 28%, e ao top 10% é de 55%. Esse valor é muito maior que aquele observado nos EUA, um país já extremamente desigual. E pior: esse indicador se manteve estável desde o início do século, o que contradiz a crença comum de que a desigualdade caiu ao longo desses anos (que muitos, aliás, atribuem às políticas do lulo-petismo).

Ora, porque o Brasil é tão fora da curva quando o assunto é desigualdade? Pode-se até argumentar que isso é um resultado puramente casual, fruto da distribuição natural de renda que ocorre via mercado — aqueles que geraram mais valor para a sociedade ganharam mais, and that is all — mas essa é uma argumentação baseada mais em fé do que em qualquer outra coisa, principalmente tendo em vista a história da formação da sociedade brasileira.
Uma explicação mais coerente, ao meu ver, busca as raízes dessa excepcionalidade brasileira não no mercado, mas em fatores coercitivos fora dele. Especificamente, três fatores:
(i) A escravidão. Um paper recente mostra que 20% da desigualdade brasileira pode ser explicada por esse fenômeno.
(ii) A relação umbilical do setor privado com o setor público, recheada de trocas ilícitas de favores. Este fenômeno está fartamente documentado (veja, por exemplo, o livro “Capitalismo de Laços”, de Sérgio G. Lazzarini, que expõe com maestria o capitalismo de compadrio à brasileira).
(iii) Os 40 anos de inflação elevada pelos quais o país passou. Apenas o Brasil passou por um período tão longo com inflação elevada. É bem sabido que inflação elevada gera aumento de desigualdade.
.
Como, então, combater a desigualdade? Seria com ações afirmativas? Distribuição de renda? Ao meu ver, três devem ser os principais fronts de atuação: (i) políticas públicas focalizadas nos mais pobres (Bolsa Família é o caso paradigmático a ser seguido); (ii) simplesmente parar de distribuir dinheiro de pobre para rico, como os subsídios dados a grandes empresas no governo Dilma via BNDES com dinheiro tirado do trabalhador via FAT; (iii) investimento pesado em educação de base, pois o aumento do nível educacional tende a reduzir a desigualdade. A última medida precisa ser especialmente importante aos liberais, pois quanto maior a equidade na educação básica, maiores são as chances de que as desigualdades na vida adulta sejam resultantes da distribuição via mercado, e não de injustiças históricas mantidas apenas por inércia (seria uma “desigualdade boa”, portanto).
Por fim, dois pontos. Não se está argumentando que o nosso objetivo final deva ser a completa igualdade e nem que a busca pela igualdade constitui um fim em si mesma, mas apenas que uma menor desigualdade no Brasil deve ser buscada porque nossos indicadores nessa área são fora do normal, e que portanto deve haver alguma explicação extra-mercado para isso.
O segundo ponto é que existem várias externalidades positivas relacionadas à queda na desigualdade. Há evidências de que a desigualdade afeta o crescimento econômico e de que desigualdade elevada gera criminalidade também elevada (fonte). As pessoas preocupadas com o pífio crescimento brasileiro e com o alto nível de criminalidade no nosso país deveriam então, por tabela, se preocupar com a desigualdade.
Assine a newsletter e receba os novos textos que publicarmos aqui por e-mail.

Neoliberal | Globalista | Minimalista | Entusiasta do transumanismo e do altruísmo eficaz | Mestrando em economia pela USP.
[…] Aqui a parte 1. […]