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setembro 26, 2020

“Desigualdade não importa, o que importa é pobreza!”

Essa frase feita tem se tornado recorrente no debate público, especialmente nos setores da chamada direita liberal. A princípio, a redação parece bastante óbvia, existem países desigualmente ricos e países igualmente pobres. Faria sentido dizer que que devemos nos preocupar com a pobreza e não com a desigualdade.

Ocorre que as coisas não são tão simples. A começar que, conforme demonstra um estudo do Banco Mundial, países mais ricos são em geral menos economicamente desiguais, enquanto países pobres e de renda média tendem a ser muito desiguais em média.

No entanto, embora a correlação exista, pode ser difícil inferir o nexo causal entre crescimento econômico e diminuição da desigualdade. Façamos então uma análise mais empírica. Tomaremos para efeito de comparação com o Brasil, Alemanha, um país desenvolvido, e Portugal, um país da periferia do Euro.

Em termos de PIB per capita, a Alemanha é cerca de duas vezes mais rica que Portugal que, por sua vez, é cerca de 2 vezes mais rica que o Brasil. Fosse a distribuição de renda dos 3 países igual, era de se esperar que a renda média dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres de cada um dos países também seguisse a mesma proporção.

No entanto, conforme se observa no gráfico abaixo, enquanto o pobre português tem 80% da renda anual do pobre alemão, o pobre brasileiro tem menos de 12% da renda anual do pobre português e menos de 10% da renda do pobre alemão.

A diferença brutal, porém, não se observa quando comparamos os 10% mais ricos de cada um dos países. Enquanto a elite portuguesa tem 62% da renda anual da elite alemã, a elite tupiniquim tem 64% da renda anual da elite alemã. O fato de a população mais rica do Brasil ter renda anual média maior que a de Portugal, país duas vezes mais rico que o Brasil, já deveria, de saída, soar alguns alarmes.

Tal discrepância tem a ver com a desigualdade de renda, medida usualmente pelo índice Gini, que indica maior igualdade de renda quando próximo de 0 e menor quando próximo de 1. Com índice Gini 0.27, a Alemanha é um dos países menos desiguais do mundo. A renda anual média dos 10% mais pobres da população alemã é de cerca de 7.843 dólares ao ano (valores do ano de 2015 corrigidos pela paridade do poder de compra para valores presentes de 2018).

Já no Brasil a coisa é muito diferente. Nosso índice Gini é 0,5. Somos mais desiguais que China, Bolívia, Sudão do Sul e Malásia. A renda anual média dos 10% mais pobres da população brasileira é de cerca de 767 dólares, renda desconfortavelmente menor do que a da base da pirâmide de países como Nigéria (992 USD/ano), Líbano (811 USD/ano), Índia (1.193 USD/ano) e Líbia (1.235 USD/ano).

Já, no caso dos 10% mais ricos, o Brasil parece ser um país espetacular. Nossa elite tem renda anual média de 114.171 dólares. Renda maior do que a elite econômica de países como Itália (107.858 USD/ano) Chile (94.930 USD/ano), Portugal (111.343 USD/ano) e Estônia (100.069* USD/ano).

Suponhamos que o mote repetido a esmo seja verdadeiro independentemente do contexto. O que aconteceria então se, mantida a distribuição de renda atual, o Brasil tivesse a mesma renda anual média da Alemanha? A situação do pobre brasileiro melhoraria significativamente?

A resposta é não. Nesse caso a renda anual média da população mais pobre saltaria para medíocres 1.874 dólares ao ano. Isso ainda é mais baixo do que se encontra na Jordânia (2.522 USD/ano) e Gabão (2.845 USD/ano). Na verdade, tudo mais constante, para que a renda anual média da população mais pobre do brasil se equiparasse à renda do pobre alemão, nossa renda anual média precisaria multiplicar-se por 10. Nesse caso, teríamos a elite econômica mais rica do planeta.

No entanto, podemos fazer um experimento diferente. O que aconteceria se, mantendo a renda atual, tivéssemos uma distribuição de renda semelhante à da Alemanha?

Conforme mostra o gráfico 2, representado abaixo, a situação melhora enormemente. A renda dos 10% mais pobres do brasil saltaria para 3.760 dólares ao ano; ainda baixo, semelhante ao Iraque (3.805 USD/ano), mas isso significaria um aumento percentual de 400%. A menor desigualdade econômica também significaria ganhos consideráveis para todos os decis de renda, com exceção dos 10% mais ricos que veriam seus rendimentos anuais caindo pela metade (67.137 USD/ano)

Dado o exposto, acredito que fica claro que o mote “desigualdade não importa, o que importa é pobreza” é, no máximo, uma meia verdade quando analisamos a realidade brasileira. Repetir essa frase de maneira completamente acrítica, como se fosse algo muito razoável e autoevidente, não só faz com que liberais brasileiros pareçam elitistas e despreocupados com a população pobre, como também acaba por desqualificar o debate. A desigualdade de renda no brasil é brutal, usar frases prontas que dão a impressão de que isso não importa é um desserviço.

No fim do dia, pobreza e desigualdade de renda estão intimamente relacionados. É virtualmente impossível atacar a pobreza no brasil sem que isso diminua a desigualdade. Afirmar o contrário é repetir a estratégia proposta por Delfim Netto: aumentar o bolo para depois dividir. Tal estratégia, usualmente conhecida como Trickle Down Economics é demonstravelmente furada, conforme consta em um trabalho publicado pelo FMI.

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4 comments on “Desigualdade importa tanto quanto pobreza”

  1. Outra forma de ver é uma comparação de outros aspectos das elites dos três países. Muito provavelmente devem ser semelhantes em educação por exemplo. E como consequência acabam por ter a riqueza absoluta semelhante.

  2. O duro é que os 10% mais ricos não vão gostar nada de ver sua renda cair pela metade. Esse é o maior erro do discurso anti-desigualdade: Querer que os mais ricos abdiquem de sua riqueza.
    Eles são a elite, eles é quem decidem, em última instância, como é que vai ser. E eles não vão se convencer dessa forma.
    Para reduzir a desigualdade, é preciso AUMENTAR A PRODUÇÃO DE RIQUEZA, e fazer com que esse aumento chegue primeiro nas faixas mais pobres. O bolo precisa aumentar.
    Não adianta apenas redistribuir a riqueza atual... O Brasil continuará a ser um país pobre desse jeito.

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